sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Governador destaca em discurso o valor universal da comenda

Grão Mestre da Ordem do Mérito dos Palmares, Teotonio Vilela diz, em discurso, que homenagem preserva luta dos quilombolas dos Palmares


“Estamos aqui reunidos para manter viva a memória e a glória dos feitos dos quilombolas dos Palmares”, disse o governador Teotonio Vilela na solenidade de entrega da Comenda do Mérito dos Palmares, realizada nos jardins do Palácio da República, na noite desta quarta-feira. “Feitos esses que conquistaram com suor, lágrimas e sangue um merecido lugar na história de construção do povo e da Nação brasileira”, enfatizou Teotonio.

Aos agraciados, o governador afirmou: “Hoje, aqui no Palácio República dos Palmares, os senhores e as senhoras recebem uma medalha de valor universal, posto ser universal o ideal motivador desta comenda”. Abaixo, na integra o pronunciamento do governador:


Autoridades presentes,
Senhoras e senhores,

Amanhã, 20 de novembro de 2008, registrar-se-ão 313 anos do assassinato do alagoano Zumbi, o último e maior dos líderes do Quilombo dos Palmares.

Hoje, nos encontramos nestes salões do Palácio República dos Palmares para manter viva a memória e a glória dos feitos dos quilombolas dos Palmares; feitos esses que conquistaram com suor, lágrimas e sangue um merecido lugar na história de construção do povo e da Nação brasileira. Tais feitos heróicos encontram-se, depois de longa e abnegada luta, simbolizados no nome de Zumbi. Zumbi dos Palmares.Pouco se sabe dos detalhes da história desse alagoano. Os documentos históricos registram-lhe a presença como líder inconteste do Quilombo dos Palmares apenas nas duas últimas décadas do século 17.

E a única vez que o registro oficial debruçou-se sobre esse excepcional alagoano aconteceu quando de seu assassinato, no dia 20 de novembro de 1695. Naquele dia, há 313 anos, as autoridades coloniais e escravistas, lavraram, em cartório, a morte de Zumbi ao mesmo tempo em que, pelo mesmo documento, mesmo sem assim o desejar, transformaram Zumbi em personagem imortal, destinado a atemorizar, para todo o sempre, os escravocratas, os racistas, os ditadores — os injustos, enfim.

Zumbi deixou a vida e entrou para a história um ponto de nossa Alagoas identificado como “o sumidouro da Serra Dois Irmãos”, localidade hoje situada no município da Viçosa, terra de onde me orgulho ter fixadas — e fundas — minhas raízes. Ali, naquela serra, Zumbi encontrou seu abrigo derradeiro, tendo ali sobrevivido por quase dois anos, posto que a capital do Quilombo dos Palmares, a Cerca Real dos Macacos, ter sido destruída violentamente no começo do ano de 1694.

Entre essas duas serras, da Barriga e Dois Irmãos, Zumbi viveu e lutou heroicamente até o último de seus dias.

Entre aquelas duas serras Zumbi e os quilombolas dos Palmares deixaram vivas, para sempre, as lições do direito à liberdade, da insubordinação às injustiças, da construção de uma sociedade alternativa e auto-suficiente; e, fundamentalmente, a lição de não capitular dos ideais mais sagrados da humanidade — aqui expressos na irresignação, inegociável, à escravatura.

Entre essas duas serras ainda reverberam o eco de uma das primeiras e mais importantes batalhas sociais e políticas travadas no Novo Mundo. Poderíamos dizer, até, ter sido a saga dos Palmares, um conflito onde os oprimidos do Novo e dos Velhos Mundos bateram-se contra a opressão, posto que os filhos d’África uniram-se e lideraram descendentes de europeus, brancos e pobres, e índios nativos, num gigantesco esforço para viverem suas vidas, organizarem-se como melhor lhes aprouvesse, trabalhando e produzindo em liberdade, escolhendo seus dirigentes da forma como melhor lhes parecesse. Tudo isso ocorreu durante os dois primeiros séculos de formação do nosso Brasil.

A epopéia de Zumbi e do Quilombo dos Palmares é parte indissolúvel, indivisível, da invenção do Brasil. Diria mais, da invenção da América Latina, das Américas, e a — porque não? — Zumbi e do Quilombo dos Palmares são rochas integrantes do alicerce de todo este mundo contemporâneo e as lições dos acontecimentos ocorridos entre a Serra da Barriga e a Serra Dois Irmãos fazem parte do acervo histórico mais significativo do chamado mundo moderno.

Hoje, aqui no Palácio República dos Palmares, os senhores e as senhoras recebem uma medalha de valor universal, posto ser universal o ideal motivador desta comenda.

Ministro Guilherme Gracindo Soares Palmeira; Seu nome dispensa apresentações e não tenho como evitar redundâncias e repetições ao falar sobre seus méritos. Mas destaco, como exemplo de merecimento específico para esta medalha, que foi em sua gestão como governador de Alagoas que foi “redescoberta” a Serra da Barriga, nos idos de 1979.

Há quase trinta anos, seu governo deu apoio para as caravanas iniciais, em sua maioria provenientes da Bahia e de São Paulo, para a “invasão” às alagoanas terras da Serra da Barriga — não sem polêmicas e naturais desencontros, mas ao fim e ao cabo, o solo onde Zumbi e os quilombolas viveram hoje é devidamente reconhecido como patrimônio histórico nacional — e, de certa forma, todos esses avanços contemporâneos se iniciaram naquele 20 de novembro, há 29 anos, quando Guilherme Palmeira era governador de Alagoas. Desembargador José Fernandes Hollanda Ferreira, Presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas; Repito, em essência, o dito quando da solenidade da Comenda da República Marechal Deodoro da Fonseca: sua gestão enquanto Desembargador-Presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas avivou, como nunca dantes, a chama da esperança na alma cidadã alagoana. Chama essa que alimenta o ideal da luta, e da vitória, dos justos contra as injustiças, da ética contra a amoralidade — a vitória da igualdade dos direitos e deveres contra os que querem perpetuar privilégios inconcebíveis numa sociedade moderna, regida pelo Estado de Direito. Pelos exemplos pessoais do magistrado José Fernandes de Hollanda Ferreira, pelos exemplos cidadãos do Tribunal de Justiça de Alagoas, nas batalhas contra todo o tipo de discriminação, vossa excelência faz jus a esta distinção.

Professor Jaime Lustosa da Altavila, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas; Seu pai, Anfilófio Jaime de Altavila, também mereceria esta homenagem, afinal é dele o mérito de ter escrito, no século XX, o primeiro livro onde Zumbi e o Quilombo dos Palmares são tratados como heróis. Mas a Jaime Lustosa da Altavila, aqui presente — bibliotecário, ex-secretário de Educação, pesquisador e presidente do Instituto Histórico, guardião do Acervo Perseverança de Cultura Afro-Brasileira — Alagoas está devendo o devido reconhecimento por seus préstimos à memória alagoana. Receba, como uma parcela deste reconhecimento, esta medalha.

Doutor José Medeiros, médico e escritor, ex-pró-Reitor da Ufal, ex-deputado, ex-secretário da Educação, ex-secretário da Saúde, Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores; sua atuação em quaisquer um desses postos, ocupados com brilhantismo ao longo de sua carreira pública, o faria merecedor de mais esta honraria. Caro Doutor José Medeiros, considere esta medalha como reconhecimento, além dos méritos específicos comprovados ao longo de sua vida, a sua capacidade de recusar aposentadoria do posto de cidadão atuante, por sua incansável disposição em seguir atuando em prol do bem comum e da cultura em nosso Estado.

Eliana Maria Moreira Cavalcanti Lins, bailarina, professora de balé e lutadora incansável pelas causas da arte e da cultura em nosso Estado; você se orgulha de, tendo nascido em Maceió, ser uma alagoabucana, em função de sua formação pessoal e artística no Recife, mas suas raízes estendem-se mais longe e mais fundo que as capitais desses dois estados, você também tem parte de sua alma vinculada às serras palmarinas, até pelos laços matrimoniais. Sua carreira incansável como cidadã plena, engajada na luta pelo crescimento cultural e artístico de Alagoas, luta essa para a qual você sempre buscou o respaldo criativo na história alagoana, donde se destaca a epopéia quilombola, a faz merecedora desta homenagem. Como Zumbi, ou como Aqualtune, você não se entrega, não desiste de seus ideais, não abre não de suas causas. Eliana, você merece esta medalha.

Arquiteto Luiz Fernando Almeida, Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; para Alagoas, estado repleto de memória histórica, de acervos valiosos para a história do Brasil, a parceria com o IPHAN é fundamental. Mais essencial ainda, façamos, nós, alagoanos, uma merecida autocrítica, pelo fato de nós mesmos, naturais desta terra maravilhosa, termos, ao longo de nossa trajetória enquanto comunidade, demonstrado pouca atenção a essas nossas riquezas memoriais.

Ao Norte temos os sítios históricos onde Calabar ainda vive como personagem dos mais polêmicos da história do Brasil; ao Sul temos Penedo, repleta de lembranças contidas num acervo arquitetônico precioso, à leste, poderíamos mesmo considerar o repositório das memórias pouco estudadas da própria cidade de Maceió e nosso seminal porto de Jaraguá.

A Oeste vicejam os sertões alagoanos, férteis como poucas áreas no Brasil em termos de acontecimentos inusitados. E, no coração da Zona da Mata, despontam os morros quilombolas: A Serra da Barriga e a Serra Dois Irmãos. Caríssimo Luiz Fernando Almeida, como presidente do IPHAN, você tanto faz por merecer esta medalha por sua atuação em defesa da Serra da Barriga enquanto sítio devidamente tombado, como — com certeza — a merecerá pelo porvir, quando de nossa luta pelo tombamento nacional da Serra Dois Irmãos, o derradeiro refúgio de Zumbi dos Palmares. Contamos, novamente, com você!

Professor Elinaldo Barros Soares, cinéfilo e lutador pela cultura alagoana; Podemos dizer que seu currículo é coisa de cinema. Você, tal qual os super-heróis da tela, tem dedicado seus incansáveis esforços, ao longo de décadas para, além e através do tema “cinema”, fazer passar para seus alunos, para a sociedade em geral, como a sétima arte pode ser um forte elemento de cidadania. Especialmente, Elinaldo, você merece esta medalha por ter construído e mantido vivo, durante todos esses anos, um verdadeiro quilombo cultural, onde estão resguardadas as memórias — sempre atualizadas com as produções contemporâneas — do fazer cinema em nosso Estado. Professor Elinaldo Barros, por esse seu esforço cinematográfico, receba essa medalha como se fosse o seu Oscar, um Oscar de ébano, brasileiro e alagoano.

João Carlos da Silva — nosso querido "João das Alagoas", escultor e mestre artesão; Você merece duplamente esta medalha. Merece-a como artista do povo, autodidata; merece-a como artista para o povo, quando extrapola seu próprio talento pessoal e dedica boa parte do seu tempo para formar outros artistas do povo, esses não mais tão autodidatas como você, posto você — em sua generosidade cidadã — lhes ser o mestre, o professor. De sua oficina/escola situada na cidade de Capela emana arte, emana cidadania. É você também, João das Alagoas, um quilombola incansável, imortal na defesa de sua causa. Siga adiante!

Lizanel Cândido da Silva, bravo "Mestre Jacaré", mestre de Capoeira, legítimo representante do espírito de luta e de arte irradiado dos Quilombos; Como difusor desta arte que é uma forma de luta e desta forma de lutar que é uma arte, a capoeira, você merece esta honraria que tem como patrono nosso conterrâneo Zumbi dos Palmares. Assim como os grandes mestres que resgataram a capoeira da marginalidade, elevando-a a seu devido posto de arte marcial brasileira, e aqui, cito e reverencio a memória de mestres pioneiros como Pastinha e Bimba, dentre outros gigantes da ginga marcial afro-brasileira. Em nome de todos os capoeiristas, de todos os quilombolas, de todos os que aprenderam a dar uma rasteira, ou cravar um rabo-de-arraia, contra as injustiças e as discriminações de todos os tipos, receba — mestre Jacaré — esta medalha.

Maria Neide Martins, Ialorixá "Mãe Neide", legítima representante da religiosidade afro-brasileira sincretizada desde os terreiros quilombolas; receba esta homenagem por seu trabalho religioso e cidadão, por seus esforços de inclusão social realizados em nossa cidade. Mas, Mãe Neide, Ialorixá, receba, antes de tudo, essa honraria oficial do Estado de Alagoas, em nome dos incontáveis praticantes dos cultos afro-brasileiros que foram injustamente, covardemente, perseguidos em Alagoas — mui especialmente no eternamente condenável período histórico conhecido como “o quebra”, perpetrado nos idos de 1912. Por todas essas injustiças, Mãe Neide, receba, em nome de todos os praticantes das crenças afro-brasileiras, esta medalha — e junto com ela, o pedido de perdão do Estado de Alagoas por tudo de errado que possa ter sido cometido até hoje.

Que o espírito de luz, de coragem, e de cidadania, de Zumbi dos Palmares (e de todos as heróicas personalidades quilombolas) acompanhe a todos vocês e os orientem, sempre, nas batalhas cotidianas contra as todas as injustiças, e por uma Alagoas e um Brasil cada vez melhor, sem discriminações e injustiças de todos os tipos. Muito obrigado.

Fonte: Agência Alagoas

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