segunda-feira, 24 de novembro de 2008

ARTIGO: O negro no poder


Por: Emanuelle Oliveira
Jornalista / Integrante da Cojira-AL

No 20 de novembro comemoramos o dia nacional da consciência negra, data histórica, principalmente para os alagoanos, já que ela marca a morte do líder negro, Zumbi - que lutou pela liberdade no quilombo da cidade de União dos Palmares, para onde os escravos fugidos iam. Sua guerra era justa e foi capaz de despertar a ira dos poderosos da capitania de Pernambuco, que expuseram sua cabeça em uma praça, achando que eram vitoriosos.

Hoje, representamos 50% da população brasileira, ou seja, são 90 milhões de negros e pardos e depois de tanto tempo a batalha ainda é travada dia-a-dia e o legado do guerreiro mantém viva a esperança daqueles que querem ser libertos, não mais dos grilhões supostamente quebrados pela lei áurea, mas do preconceito e da desigualdade que enfrentam em pleno século XXI.

Os quilombolas vivem hoje, só que em novos rostos e sob diferentes formas de opressão. Alguns têm pele escura e olhos azuis – fruto da miscigenação – e também a cara da fome e da desilusão. Continuam fragilizados e parece impossível devolver o que lhes fora roubado, tamanha é a dívida que a humanidade tem para com eles.

Mesmo depois de libertos os negros não tinham emprego, já que acreditavam que eles não eram qualificados para a nova forma de trabalho. Logo, foram facilmente substituídos por europeus, a população estava se multiplicando e queriam um país embranquecido. Como se enganaram, fizeram nascer um país de tantas cores e culturas, capazes de alimentar o desejo de dias melhores.

"Um negro a serviço dos brancos" é o que dizem a respeito do presidente recentemente eleito nos Estados Unidos (Eua), Barack Obama, que desbancou o candidato republicano, John Mackenzie, um branco bem sucedido, estereótipo de um presidente digno para uma potência mundial.

Obama dá vida à utopia de ter um negro no poder, já que a cor da sua pele lembra uma luta que está para além da política. Como seria possível elegê-lo, em um país massivamente racista, berço de organizações como o Ku Klux Klan? A ascensão do presidente mostra que a igualdade de direitos que nos foi roubada já está para além do sonho. Será que se Martin Luther King estivesse aqui acreditaria que a mentalidade sobre a questão racial mudou?

No entanto, ainda estamos nas periferias e favelas - senzalas da vida contemporânea - sem emprego, educação, saneamento e dignidade. Não somos coitadinhos e sim injustiçados, por isso me pergunto se existe diferença entre um negro pobre e um negro rico e descubro que a questão é mais complexa do que a falta de igualdade nas oportunidades.

Qualquer negro que chega ao poder – nas suas inúmeras variações - é cruelmente criticado, logo acusado de prestar serviços aos que antes lhes escravizavam, e por que não teria legitimidade para tomar suas próprias decisões?

Independente da classe social e do lugar que ocupa, somos vistos com indiferença, que toma forma até em brincadeiras despretensiosas e não importa se estamos falando de um morador de rua, de um ídolo de futebol ou do ministro da cultura.

Até na gramática e nas cores percebemos as contradições entre o preto e o branco. Afinal, por que a magia ruim é a negra? Por que uma desgraça engraçada é humor negro? Por que o gato preto dá azar?Por que o branco é paz e o negro é morte? Por que dia de trabalho é dia de branco?Qual o racista que determinou essas coisas?

Esses detalhes estão implícitos em nossa cultura - embora ela seja tão misturada - e ás vezes eles vêm à tona, devido à hipocrisia cultivada há anos e ainda regada nos dias de hoje, que culminou com a destituição de reinos africanos, em nome do desenvolvimento de outras terras.

Procuram remediar o problema mostrando o negro de relance e falando dele nas estrelinhas, como se até hoje não fosse vítima da desigualdade. Nas novelas continuamos na cozinha, limitados a servir os brancos e nos programas de tv nunca somos apresentadores. As crianças não querem bonecas negras porque são estranhas e o branco já é a cor predominante.

Dão asas à idéia de que os negros são feios e até eles nutrem essa premissa, não se identificam com o que é tido como belo, quando na verdade são apenas diferentes, lindos e cheios de graça em suas características.

O fato é que o negro só é bonito em seus guetos, como no carnaval de Salvador e do Rio de Janeiro, que exibe nas escolas de samba belas mulatas. Músicas afro são lindas apenas em terreiros de macumba e em rodas de capoeira – Criada pelos africanos e praticada por gente de todo o mundo – a religião foi usurpada pela igreja e passou a ser coisa do demônio, mas para quê besta maior do que aquela que abusa de crianças?


A instrução dada por alguns pais influi na liberdade de pensamento dos pequenos, reproduzindo costumes racistas, já que para mim, a questão está diretamente ligada à educação. Porém, não dá para acreditar que quanto mais instruída, menos preconceituosa uma pessoa será.

Ninguém admite que tem preconceito, isso não é coisa para se dizer publicamente, só que basta ver alguém usando dread lock ou qualquer outro penteado afro e até um médico ou advogado "de cor" para que ele se manifeste. Se hoje os negros vão á escola e se profissionalizam, antes os homens só faziam serviços braçais e as mulheres serviam para satisfazer os desejos dos senhores de engenho, que as engravidavam e vendiam seus próprios filhos.

Temos sim muito a comemorar, porque a cada ano a esperança se renova, lembrando que a luta dos quilombolas de Palmares não foi em vão. Mas, é preciso saber que o 20 de novembro não deve ser visto apenas como um marco da negritude, e sim, como uma reflexão para cada pessoa, já que é ao longo dos dias e com a ajuda de todos que a história deve ser reescrita. Existirá um lugar onde não haverá distinção entre negros e brancos, pois lá existirão seres humanos, independente da cor da sua pele, porque o espírito é transparente.

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