quinta-feira, 15 de maio de 2008

Supremo recebe manifesto a favor das cotas

Grupo entrega ao presidente da Corte documento endossado por acadêmicos, artistas e ativistas de direitos humanos

Um grupo de defensores da política de cotas raciais nas universidades entregou ontem ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, um manifesto em defesa da causa.
O documento foi assinado por mais de mil pessoas, incluindo acadêmicos, estudantes, artistas e militantes dos direitos de minorias. Na lista, estão o cineasta Nelson Pereira dos Santos, a atriz Taís Araújo, o ator Lázaro Ramos, a cantora Margareth Menezes, o rapper MV Bill, o arquiteto Oscar Niemeyer e João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Segundo o texto, as cotas cumprem o papel de compensar a histórica exclusão dos negros das universidades. "Apenas nos últimos cinco anos houve um índice de ingresso de estudantes negros no ensino superior maior do que jamais foi alcançado em todo o século XX", diz o documento..
Há duas semanas, opositores da política de cotas também levaram um manifesto ao presidente do STF. Os dois grupos estão preocupados com o julgamento de duas ações sobre o tema. O plenário começou a analisar o assunto há um mês, mas interrompeu a sessão. O julgamento deverá ser retomado apenas no próximo semestre.
Manifesto diz que política de cotas é constitucional
Os defensores das cotas alegam que é preciso "trazer para o interior das universidades brasileiras aqueles grupos sociais historicamente excluídos".
Segundo o texto, hoje o país conta com mais de 20 mil cotistas negros cursando a graduação.
Somam 69 as instituições de ensino superior público que adotam ações afirmativas. Os militantes argumentam que a política de cotas é constitucional, pois promove oportunidades iguais a brasileiros historicamente tratados de forma diferentes.
Apenas oito representantes do grupo foram recebidos no gabinete de Mendes, que dedicou 20 minutos aos manifestantes. O documento será enviado aos outros dez ministros do STF.
— Quem foi torturado pela ditadura ganha indenizações milionárias do governo. E o povo negro, que foi escravizado, não merece reparação? — disse o frei David Santos, um dos líderes do grupo.
— As cotas são uma ação afirmativa importante para assegurar a inclusão do negro à universidade. Hoje há uma barreira imposta pelo racismo — disse Ivana Leal, integrante do Movimento Negro Unificado, de Goiás.
Abayomi Mandela, estudante de engenharia florestal, sempre estudou em escolas públicas e entrou na Universidade de Brasília (UnB) pelo sistema de cotas raciais. Ontem, ele foi um dos recebidos por Gilmar.
— É bem mais difícil concorrer com alunos de escolas particulares. Nas particulares, o foco é fazer o aluno passar no vestibular. Nas públicas, o foco é em nada, as escolas estão abandonadas — disse.
Grupo pró-cotas diz que opositores são elitistas
Em ataque à manifestação do grupo contrário às cotas, intitulada "113 cidadãos anti-racistas contra as leis raciais", os defensores da tese afirmaram que os críticos das cotas não contam com o apoio de estudantes ou de movimentos em defesa dos negros.
"A posição dos 113 é paralela à da elite conservadora que reage desesperadamente para manter o poder que acumulou no período da escravidão, do colonialismo e das repúblicas branqueadas ou excludentes construídas em um momento político ultrapassado e que agora são obrigadas a enfrentar as demandas de uma agenda política que exige justiça social, convivência multiétnica e multirracial, com divisão proporcional de poder e de riqueza", diz o manifesto entregue ontem ao STF.
O grupo pró-cotas também critica o argumento de que é complicado classificar os brasileiros por raças, devido à miscigenação no país.
— O aspecto cultural e histórico de uma raça pode ser usado para fins de discriminação, como tem sido feito. Queremos que os ministros do Supremo, a partir desse documento, possam refletir sobre as políticas de inclusão — disse o advogado Renato Ferreira, pesquisador do laboratório de políticas públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
O mesmo grupo também foi recebido em audiência pelo ministro da Justiça, Tarso Genro. Ao fim do encontro, o ministro defendeu a política de cotas.(O Globo, 14/5)
Projeto de cotas tramita há 4 anos na Câmara
O projeto de lei do governo federal que institui as cotas em universidades federais completa quatro anos na próxima semana sem nenhuma previsão de data para ser votado pelos deputados.
A proposta já passou por todas as comissões da Câmara, mas ainda não foi colocada na pauta. Segundo o presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), isso só acontecerá se algum líder colocar o projeto como uma "prioridade".
Para o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), o projeto é "uma prioridade entre outras prioridades" do governo federal, mas terá que enfrentar uma fila de outras proposições. "O governo é favorável à entrada na pauta, mas, quando você reúne os líderes, há uma lista de 30, 40 projetos que querem pautar."
Entre os deputados do PSDB, o tema parece também não estar na agenda. "Não abordamos desde que estou na liderança", afirma o deputado José Aníbal (SP), líder do partido na Câmara desde o início deste ano. O tucano afirma que a discussão é "um belo desafio".
O projeto do governo estabelece que 50% das vagas em universidades federais deverão ser reservadas a alunos que cursaram todo o ensino médio em escola pública. Essas vagas deverão ser ocupadas, no mínimo, pela proporção de pretos, pardos e indígenas do Estado onde está localizada a instituição de ensino. A proposta tramita em conjunto com outras seis proposições que tratam de reserva de vagas não só para negros e indígenas, mas também para alunos carentes e idosos.
Estatuto
Mais amplo do que o projeto de lei nº 3.627/2004, o Estatuto da Igualdade Racial já foi aprovado pelo Senado e está em análise por uma comissão especial da Câmara desde 2003.
O texto contempla, entre outras reivindicações do movimento negro, uma reserva de 20% das vagas para negros em universidades, concursos públicos e até em filmes e programas de televisão.
Mais amplo do que o PL sobre cotas, o estatuto é a prioridade da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, segundo o ministro Edson Santos. Ele diz ter expectativa de que a votação ocorra ainda neste ano.
Autor do projeto, o senador Paulo Paim (PT-RS) tem esperança de que seu projeto -que data do ano 2000- seja sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
A polêmica, porém, pode atrasar a tramitação. Para deputados ouvidos pela Folha, no entanto, dificilmente o texto será aprovado sem modificações pela Câmara. Se ele sofrer qualquer alteração, tem que retornar ao Senado. Na opinião de Paim, o preconceito que persiste no Brasil é um dos motivos da demora na tramitação.

A não-apreciação da política de cotas, porém, é vista por um lado positivo por alguns integrantes do movimento negro: enquanto o Congresso não decide se aprova ou rejeita o sistema, 42 universidades públicas já o adotaram por conta própria, segundo cálculo do movimento negro.

"No Congresso há muitos lobbies e convicções de que as cotas não são boas", afirma Alexandre do Nascimento, professor e integrante do movimento negro que esteve em Brasília para atos pró-cotas.

Fonte: Folha de SP

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