Apesar de sofrer ao lado da família, John Carlos não se arrepende do gesto que se tornou símbolo mundial anti-racismo, mas lamenta ver, 40 anos após os Jogos do México, que quase nada mudou
O "panteras negras" Smith e Carlos no pódio
Por: MARIANA LAJOLO
Folha de São Paulo / Carderno de Esportes
O gesto no pódio se transformou em símbolo mundial de luta pela igualdade racial.Tommie Smith e John Carlos, de luvas, descalços, ergueram os punhos e repetiram a saudação dos Panteras Negras ao som do hino dos EUA. Arriscaram suas carreiras para marcar posição contra o racismo.
Logo descobriram que, heróis para o mundo, podiam ser considerados vilões em seu país. E haviam, também, colocado suas vidas em risco.Quarenta anos depois do protesto na Cidade do México, os Jogos Olímpicos novamente estão às voltas com questões que transcendem o esporte.
E a habilidade do Movimento Olímpico para lidar com o clamor por respeito aos direitos humanos na China e em Darfur e pela independência do Tibete é similar à mostrada em 1968, quando Smith e Carlos foram expulsos da competição.
"Parece que não aprendemos nada. Já se foram 40, e voltamos à mesma situação. Acredito até que o Comitê Olímpico Internacional hoje seja capaz de impor ainda mais restrições", diz John Carlos, que falou à Folha por telefone.
Nascido no Harlem, em Nova York, filho de mãe cubana e pai descendente de escravos fugitivos de um navio na Espanha, Carlos ficou em terceiro nos 200 m rasos no México. Smith levou o ouro, seguido pelo australiano Peter Norman.
Aquele bronze foi sua única medalha olímpica. O ex-atleta de 63 anos, porém, orgulha-se muito mais de outra conquista."Foi o ato mais importante da minha vida. Nós estávamos falando sobre o que acontecia com negros nos EUA. Mas também falamos sobre todos que sofriam descriminação pelo mundo por causa de sua cor, raça, religião...", declara.
As palavras de orgulho são permeadas por certa melancolia. O gesto em nome da igualdade prejudicou sua família.Quando ele e Smith voltaram aos EUA, os empregos desapareceram. Não havia dinheiro para sustentar a casa, e, certo dia, Carlos fez de sua mobília lenha para se aquecer. Na rua, humilhações eram comuns.
A conseqüência mais grave foi o suicídio, em 1977, de sua primeira mulher, que não suportou viver como exilada no próprio país. Smith perdeu a mãe, que sofreu ataque cardíaco em 1970 ao receber ratos mortos e esterco pelo correio."Foi um grande choque para minha família", afirma Carlos, hoje professor, como Smith.
Nas pistas, o ex-corredor não enfrentou boicotes. Em muitas competições, era atração. Seu protesto, paradoxalmente, também lhe trouxe fama."As pessoas ficavam felizes em me ver. Continuei a correr e dominei minhas provas por mais dois anos", relembra.
Carlos foi punido pelo Comitê Olímpico Internacional e pela entidade que rege o esporte nos EUA. Mas não perdeu sua única medalha, como diziam."Anunciaram que haviam tirado a medalha, mas era propaganda. Eles desistiram.
"O protesto dos Panteras Negras foi planejado para ser mais radical, mas nunca se concretizou. Eles queriam organizar boicote aos Jogos mexicanos.
Hoje, Carlos é contra a idéia que pregava em 1968. Acredita que não levar atletas à Olimpíada de Pequim, por exemplo, seria só uma punição ao povo."O melhor seria boicotar a cerimônia de abertura, o aspecto politico dos Jogos. Se uma autoridade não vai à cerimônia, manda a mensagem ao governo de que não concorda com ele. E diz aos atletas que é seu representante moral", afirma.
O americano ainda crê que os Jogos devam ser palco para protestos, mas é cauteloso.Executá-los em Pequim pode resultar em punições até piores do que as sofridas por Carlos. Pelas regras do COI, são proibidas manifestações de cunho político, racial ou religioso durante a Olimpíada. A entidade, porém, não específica que atos são passíveis de punição e diz que analisará caso a caso.
Teoricamente, um atleta pode falar sobre direitos humanos na China, mas não exibir bandeira pró-Tibete no pódio."Você tem de estudar e avaliar as circunstâncias. E levar em conta seu emocional e seus interesses antes de decidir por esse tipo de ato", diz Carlos.
O ex-atleta declara que não iria a Pequim nem se tivesse dinheiro. "Não estou desiludido com a competição, estou desiludido com a política que cerca a Olimpíada", justifica. Em San Francisco, onde vive, ele participou do "Revezamento da Tocha pelos Direitos Humanos", movimento contra o governo da China.
Sentiu a mesma emoção de quando empunhou o fogo nos Jogos de Los Angeles-1984, em casa. E orgulho por, de novo, tentar fazer algo para que outras vidas sejam melhores.
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