13 DE MAIO: Festa ou protesto?
Helcias Pereira
· Militante do Movimento Negro alagoano há mais de 20 anos.
· Secretário de Cultura do Anajô
· Conselheiro do Instituto Magna Mater
· Militante do Movimento Negro alagoano há mais de 20 anos.
· Secretário de Cultura do Anajô
· Conselheiro do Instituto Magna Mater
Há vinte anos o Brasil presenciava uma série de protestos promovidos por vários segmentos representativos da sociedade afro-brasileira. De fato, se por um lado houve quem comemorasse os cem anos da abolição da escravatura como algo positivo, concomitantemente, diversos segmentos organizados do Movimento Negro realizaram grandes protestos nos vários Estados da Federação. Um exemplo que se destacou na mídia foi a MARCHA CONTRA O CENTENÁRIO DA ABOLIÇÃO no Rio de Janeiro, a qual causou uma série de confrontos, chegando inclusive a ser proibida pelo Governo que acionou as forças militares para o impedimento.
Centenas de novos grupos de consciência negra se articularam nesse período, levando alguns nacionalmente organizados a se fortalecerem ainda mais, a exemplo dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil que perpassaram as fronteiras do Sul e Sudeste, ampliando-se pelo Centro Oeste e Norte-Nordeste. Ações políticas se dimensionaram em favor da comunidade negra; surgiram novas lideranças e vislumbrava-se uma evidente nova fase de luta e de organização do Movimento Negro Nacional.
De fato, associar a Princesa Izabel ao mérito da questão seria pejorativar ainda mais a idéia de “subserviência” do povo negro e, sobretudo, maquilar a realidade, fortalecendo a ideologia do branqueamento que por si só alimenta de forma vergonhosa a prática do racismo e das várias outras discriminações. Seria como rasgar ou queimar as páginas da história, como o fez Rui Barbosa, ou ainda fazer ecoar discursos racistas e segregacionistas como assim fizeram alguns parlamentares a exemplo de Tavares Bastos. Enfim, atribuir diferenças étnico-raciais à superação de valores, é definitivamente negar ou literalmente ignorar todos os fatos históricos que condicionaram o povo negro a viver nos dias atuais as conseqüentes miseráveis condições de vida na sua maioria. Seria inclusive a tentativa de negação da luta de tantos abolicionistas, irmandades e sesmarias que ao longo da “escravidão” sempre lutaram para organizar o povo oprimido e conseqüentemente sua verdadeira libertação através da união e de uma organização eminentemente político-sócio-cultural e religiosa.
Estamos há cento e vinte anos da tal abolição da escravatura, equivocadamente ou não o 13 de maio tem sido para várias casas afro-religiosas, sobretudo umbanda, uma data em que se comemora o dia dos Pretos (as) velhos, onde se reúnem para refletirem a importância da sabedoria dos antigos, e assim unificarem ainda mais através de momentos coletivos de refeições como a Feijoada de Preto Velho, além dos mushakás e orikís em homenagem aos ancestrais.
Politicamente, o Movimento Negro conseguiu tornar o 13 de maio - Dia Nacional de Luta Contra a Discriminação Racial, e de fato, galgando no decorrer dos anos importantes vitórias relativas à questão. O racismo não só se tornou algo abominável, como teve de ser considerado CRIME na constituição brasileira, conseguindo inclusive enquadrar alguns agressores no crivo da justiça, com prisões e condenações, mesmo que essa prática ainda seja ínfima, considerando as inúmeras e cotidianas agressões, muitas vezes sequer denunciadas.
É necessário que haja uma grande reflexão em torno desta temática. São 120 anos cujos direitos à dignidade e a igualdade racial apontam para um comportamento maquilador da realidade, donde se fala em Democracia Racial e na prática, de forma camuflada, permeia-se um terrível sistema eurocêntrico, etnocêntrico e segregacionista, anulando desta forma as condições de igualdade e estigmatizando ainda mais o povo afro-brasileiro.
Comemorar o quê nesses 120 anos da abolição? Os milhares de afros-descendentes desempregados? A negação histórica de oportunidades que pudessem e podem consolidar uma vida digna e cidadã na sua maioria? A falta de Políticas públicas realmente “reparadoras” de todas as infames agressões ao povo negro por mais de quatro séculos?
É fato que não apenas a comunidade negra e seus segmentos sociais devem se preocupar em combater esses males. A sociedade brasileira precisa ser a cada dia sensibilizada e fomentada nessa incumbência, tendo em vista que setores institucionais já apontaram para essa necessidade, de gerir ações de promoção da igualdade racial, mas que ainda não abrange o todo, visto que o racismo se manifesta nos mais recônditos espaços e em todos os setores sociais.
Conhecer a história com visão crítica é mais que preciso, analisar com discernimento as conseqüentes situações de miserabilidade em que nosso povo ficou pós-assinatura da Lei Áurea é inevitável, e sobretudo, combater todas as atrocidades cometidas pelo sistema e pela sociedade racista em geral, é imprescindível.
Precisamos dimensionar a experiência de Aqualtune, Ganga-Zumba, Zumbi, Camuanga, Banga e tantos outros guerreiros; contar e recontar a história do quilombismo palmarino (1597-1704); conhecer experiências ímpares da imprensa negra brasileira a exemplo do “Clarim da Alvorada” - (1924-1932) e alguns antecessores de igual importância, como a “Sentinela” (1920); “O bandeirante e a liberdade” (1919); “O alfinete” (1918), e ainda, conhecer o processo de luta dos abolicionistas a exemplo de José do Patrocínio, André Rebouças, Cruz e Souza, Henrique Dias, Luiz Gama, entre outros.
No mais, desde os grandes e ilustres intelectuais aos mais recentes simpatizantes da causa negra e pela promoção da igualdade racial, o 13 de maio precisa ser dimensionado numa ótica critica e reflexiva, que fomente no seio da sociedade uma prática mais humana e cidadã, negando a prática da discriminação como um todo e promovendo a igualdade racial como um sinal de respeitabilidade à diversidade, combatendo a intolerância e todas as formas de discriminação.
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