terça-feira, 23 de novembro de 2010

Expressões racistas: quando a mídia incentiva o preconceito

Por: Gerônimo Vicente - COJIRA/AL


O que será que um jornalista tenta repassar aos leitores, ouvintes ou telespectador, quando se refere à expressão “samba do crioulo doido” em uma reportagem ou em alguma nota recheada de ironia? Por que crioulo doido? Qual seria a razão de um dos apelidos dados aos negros escravos, entre os séculos 18 e 19, no caso de “crioulo” ter alusão a trapalhadas e confusão. Talvez nem o próprio jornalista seja capaz de dar explicação sobre o uso do termo, a não ser a de que seja uma máxima já conhecida, principalmente, nas rodas de conversas informais. Na realidade, a expressão tem conotação racista e é abominada pelos manuais de redação de vários veículos de comunicação do país.

A expressão “samba do crioulo doido” é um título de famoso samba composto pelo genial Sérgio Porto para satirizar o ensino de História do Brasil nas escolas do país, iniciado pela estrofe “Foi em Diamantina / Onde nasceu JK/ Que a princesa Leopoldina / Arresolveu se casá/ Mas Chica da Silva / Tinha outros pretendentes/ E obrigou a princesa / A se casar com Tiradentes / Lá iá lá iá lá iá / O bode que deu vou te contar”. A frase passou também a ser usada para discriminar os negros, atribuindo-lhes confusões e trapalhadas

Expressões como essas permeiam, com certa frequência, a imprensa alagoana e, na maioria dos casos, o repórter sequer tem noção de que está cometendo um erro grosseiro e sujeito, mais tarde, a consequências danosas para a empresa em que trabalha, que vão de um pedido de direito de resposta a um processo criminal, conforme estabelece o artigo 20 da Lei nº 7.716.

Abuso desse quilate fez com que a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial em Alagoas (Cojira-AL) interviesse em alguns casos para, primeiramente, esclarecer aos profissionais de comunicação sobre a contribuição negativa que essas expressões podem gerar no cotidiano do leitor, ouvinte ou telespectador. Um veículo de comunicação seja rádio, jornal ou televisão, não tem público específico e sim uma massa de pessoas das mais diversificadas raças, opiniões e crenças religiosas e que devem ser respeitadas.

Desde o início da redemocratização do país tornou-se comum expressões alcunhadas pela mídia ocuparem espaços em enciclopédias, dicionários e serem associadas por linguísticas como expressões populares, a exemplo da palavra “reajuste” como sinônimo de aumento de preço e de salário ou “imexível” usada por um ex-ministro do Trabalho e absolvida, até hoje por jornalistas e literatos mesmo que de forma irônica, porém sem uso na gramática na língua portuguesa. Do mesmo modo ocorre com essas expressões que possuem conotações racistas pela forma como podem ser interpretadas pelo público midiático.

A professora de Química e coordenadora do Núcleo Afro-Brasileira do Instituto Federal de Alagoas, Fátima Viana se mostrou preocupada com a repercussão que essas palavras geram dentro de uma sala de aula. “Deparo-me em sala de aula com atos que são resultantes dessas expressões, como por exemplo, qual seria o motivo de um colega de sala se referir ao outro como “negrão” se o aluno tem nome na caderneta chamado todos os dias pelo professor?”, questionou a professora que também apontou alguns estereótipos utilizados no cotidiano como conotação racista. Fátima Viana disse que faz questão de abordar o preconceito racial, todos os dias, em sala de aula mesmo sendo a disciplina de Química, devido à influência discriminatória resultante da mídia, em telejornais, programas de auditório, novelas e, mais recentemente, principalmente durante um programa de reality-show.

- É claro que expressões racistas contribuem para os estereótipos de que negro só compra na promoção; de que não tem dinheiro para curtir uma balada ou para andar na moda; e que tem preferência de ser abordado em blitz quando possui carro do ano, lembrou a professora.

Outra expressão, utilizada de forma abusiva é o termo “língua negra” como eufemismo (suavização de um termo pejorativo) de esgoto a céu aberto. A palavra foi gerada nas áreas de Controle Urbano das prefeituras municipais e se supõe que a intenção era esconder dos turistas, pelo menos de forma literal, o grau de poluição das cidades. Em Maceió, como todo alagoano tem conhecimento, são comuns os esgotos a céu aberto correrem em direção às praias de Pajuçara, Ponta Verde e da Avenida da Paz, notadamente, nos pontos turísticos. No final dos anos de 1990, técnicos da Secretaria Municipal de Controle Urbano recomendaram aos assessores de comunicação do município o uso do termo língua negra como forma de, pelo menos na morfologia, abrandar a situação degradante de poluição do mar. Consequentemente, a expressão foi inserida nos “releases” (textos encaminhados à imprensa) e sem que houvesse precaução alguma começou a ser inserida nas reportagens de rádio, jornal e televisão com a conivência dos editores. O próprio site da Prefeitura de Maceió persiste na expressão, a exemplo da nota Línguas Negras, publicada em 19 de abril de 2005.


‘Numa parceria entre as secretarias municipais de Infra-Estrutura, Turismo, Proteção ao Meio Ambiente e a rede hoteleira foi criada uma campanha para a retirada das “línguas negras”, esgotos que escorrem em direção ao mar, localizadas nas praias da Pajuçara, Ponta Verde, Jatiúca e Cruz das Almas’

O engenheiro civil, da área de Construção Civil, Eduardo Nobre desconhece que o termo esteja associado aos jargões utilizados na profissão. “É evidente que toda matéria orgânica que sofre oxidação escurece como o esgoto, por exemplo, que é composto por 99% de água e 10% de resíduos sólidos, entre eles, fezes. A este processo chamamos de fluxos de contaminação. Agora, associar esgoto a cor da pele de uma raça é um disparate sem tamanho e racismo puro”, disse o também professor da área de Edificações.

Do mesmo modo, ocorre na imprensa esportiva com o termo “mala preta” que no jargão esportivo significa jogo sujo, ou seja, quando um clube financia um outro e incentiva seus jogadores a não se empenharem em campo, ser derrotado em uma partida e assim beneficiar na tabela de classificação a equipe financiadora. Mala preta também significava a pasta que o representante trazia cheia de dinheiro para fazer o pagamento caso o acordo fosse cumprido. Contudo, como se fosse para incentivar o racismo, a própria imprensa esportiva criou o termo “mala branca” que, ao contrário, da expressão anterior significa jogar limpo, ou seja, um clube incentiva, financeiramente, outro para derrotar o adversário.

O manual Politicamente Correto, editado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República no primeiro mandado do governo Lula e que foi interpretado pela grande imprensa como um controle da liberdade de expressão aponta várias expressões utilizadas na imprensa e no cotidiano dos brasileiros consideradas ofensivas e degradante à sociedade, como por exemplo: “a coisa ficou preta” como significado de aumento das dificuldades, situação embaraçosa ou até a palavra ‘africano’, numa referência a negros da África como se não houvesse diversidade nos países desse continente. Cita também a expressão Branquelo como um tipo preconceito racial, mais fortemente, de pessoas brancas nascidas no Brasil contra brasileiros descendentes de europeus das comunidades européias no Sul do País.

É necessário entender que a imprensa é a melhor aliada da sociedade e que os jornalistas têm como missão fazer com que essa sociedade cumpra com seus deveres e direitos estabelecidos pela Constituição Brasileira. De acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, é dever dos profissionais "combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza" (Cap. 2 / Art. 6º / XIV) e "não podem usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime" (Cap. 2 / Art. 7º / V).

A Cojira-AL desde sua criação tem se destacado para que a ética do profissional jornalista seja cumprida à risca, não só quanto à questão do racismo, mas contra qualquer tipo de perseguição ou discriminação. Nas colunas de humor, a veiculação de piadas grosseiras e racistas e a adoção dos padrões estéticos de beleza, com predominância branca para contratações de profissionais, principalmente pelas emissoras de televisão. O próximo passo é a produção de um manual de orientação que possa ser aplicado a partir das faculdades de comunicação como modo de estender a atividade às assessorias.


Fonte: Encarte Afro especial "Axé!" / Tribuna Independente (20.11.10)

Um comentário:

  1. Vcs tão exagerando,o que tem demais a expressão lingua negra,se os negros tem língua vermelha? Namastê! :)

    ResponderExcluir

Agradecemos sua mensagem!
Axé!