segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Cota Racial: Superação de preconceitos e conquista do mercado profissional

Texto e foto: Gerônimo Vicente - Jornalista/Cojira-AL



Os primeiros estudantes que entraram na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), no vestibular de 2005, pelo sistema de cota racial, já sentem os efeitos positivos no mercado de trabalho e no currículo profissional, embora, não escapem de alguns preconceitos. No Brasil, o programa Nacional de Ações Afirmativas foi instituído em 13 de maio de 2002, pelo decreto 4.228 do Governo Federal com o objetivo de aumentar a participação de grupos socialmente discriminados como, por exemplo, mulheres, pessoas portadoras de deficiências físicas e a população negra na universidade.

A comemoração dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares também influenciou na discussão sobre a implantação do sistema de cotas na Ufal, e contou com a contribuição do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab). A partir de um seminário realizado em 13 de maio de 2002, foi produzido um documento cobrando que o Conselho Superior da universidade colocasse

em sua pauta as ações afirmativas, a partir daí, tornou-se a terceira universidade federal a implantar o sistema de cotas, depois da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
A influência no Neab, por meio de programas de ações afirmativas, também contribuiu para que os estudantes fossem encorajados a enfrentar preconceitos em nível acadêmico, principalmente, pelo fato de serem provenientes do sistema de cotas. Entre provocações aos feras cotistas, uma delas insinuava que o estudante negro havia tomado o lugar de quem tinha capacidade de entrar na universidade. O então “bullying do preconceito” levou a Ufal, por meio do Neab a implantar a ação Afroatitude, onde os alunos cotistas eram estimulados a retomar a auto-estima diante da carga pesada de discriminação por parte de segmentos que tinham caráter de dominância nos meios acadêmicos, além de participar de projetos de extensão.

O ex-estudante de Direito e, hoje, advogado e bancário, Givaldo Saulo da Costa, 31 anos, sentiu na pele este preconceito. Mas, superou todas as barreiras de obstáculos enfrentadas, desde quando desistiu de ser fuzileiro da Marinha para encarar o desafio de entrar na universidade pública. “Como se sabe o curso de Direito é muito elitista e, na época, a forma como alcancei a aprovação incomodava a muitos colegas pela questão da cor, pela condição social e até pela capacidade Intelectual que era muito contestava. Lembro, quando dizia que fazia Direito, as pessoas já chegavam afirmando que eu era aluno de uma faculdade particular”, afirmou Givaldo.

O advogado ressaltou que conseguiu quebrar todos os paradigmas contrários ao sistema de cotas, demonstrando capacidade intelectual na sala de aula. “Fui um dos primeiros de uma turma de 50 estudantes a conseguir estágio, tinha grande aceitação dos professores e, depois de formado, passei no exame da OAB”. Givaldo nasceu em Carpina (PE) numa família pobre e, resolveu apostar nessa carreira depois de ouvir os parentes afirmar que o pai o avô dele trabalharam tanto e não conseguiram constituir um patrimônio sólido. “Foi então que, em 2001, ingressei na Marinha e comecei a apurar os motivos de tantas desigualdades sociais no Brasil”, afirmou.

Depois que foi aprovado na OAB, Givaldo auferiu aprovação também em um concurso público para agente bancário em estabelecimento financeiro estatal, onde trabalha pelo dia e abriu, no ano passado, um escritório de advocacia, para atender seus clientes à noite. Ele se queixava do conteúdo da universidade de preparação do estudante de Direito, na opinião dele, estritamente voltado para concurso público ou para interpretação de normas. “Estou adorando a profissão, já conquistei muitos clientes e, neste aspecto me concentro no Direito como suporte das ações sociais como a questão racial, o movimento social e tudo aquilo que diz respeitos aos direitos sociais do cidadão”, disse.

A coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro da Ufal, professora Clara Suassuna aponta mais estudantes que superaram todos os tipos de preconceito racial e social, dentro e fora da universidade e conseguiram obter uma auto-estima profissional, a exemplo de: Joselina Rodrigues Santos que concluiu Pedagogia, é professora e atualmente cursa mestrado na Ufal; além de Gilmar Lindraz, também pedagogo e Fabiana Maria da Silva, todos com trabalho de pesquisa na área de Raça e Etnias e que colocam em prática no campo profissional o que desenvolveram como estudantes no Neab da Ufal. “Essa primeira turma é a nata do que temos de bom no sistema de cotas, desde de 2005”, garantiu a coordenadora do Neab.

A Universidade Federal de Alagoas tem cerca de 3 mil alunos, que ingressaram pelo sistema de cotas raciais no universo de 20 mil acadêmicos. Segundo dados do Neab, a média de aprovação dos cotistas durante a graduação registrou um crescimento surpreendente em todo o país, muitos já obtiveram bolsas de pesquisas e estão cursando mestrado.


Fonte: Encarte Afro AXÉ ESPECIAL - Jornal Tribuna Independente (20.11.11)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Agradecemos sua mensagem!
Axé!