No filme Jardim das Folhas Sagradas, lançado este ano, o bem sucedido bancário Bonfim – homem negro – enfrenta o preconceito racial e a intolerância religiosa para conseguir montar um terreiro de candomblé em pleno espaço urbano da Salvador contemporânea. O que o protagonista do longa-metragem e o alagoano Célio Rodrigues dos Santos, o Pai Célio, têm em comum? Ambos reagiram à intransigência com ativismo social, sem distinguir cor nem crença.
Por perceber que questões como educação, saúde e inclusão social eram deficientes no entorno do bairro Ponta da Terra, em Maceió, o babalorixá resolveu transformar a sua casa de axé em uma ONG (Organização Não Governamental) no ano de 1984. Desde então, a Casa de Iemanjá – oficialmente Núcleo de Cultura Afro Brasileira Iyá Ogun-Té – virou um centro de atividades culturais e sociais que atende a praticantes ou não da religião.
O “quilombo vivo” da Ponta da Terra, como qualificou o sacerdote, foi mais além e, em 2005, passou a ser o primeiro Ponto de Cultura em uma casa de axé do país, ligado ao Ministério da Cultura. O foco, seja em qualquer um dos seus três pilares – religioso, cultural ou social – é a formação do ser humano. “Não estamos preocupados em criar adeptos da religião, mas em formar cidadãos que se valorizem e tenham uma visão diferenciada da sociedade e do mundo”, destaca.
A maior parte da população do bairro é afrodescendente, mas não se declara como negro, segundo o pai de santo, que é historiador e faz parte do Fórum Municipal pela Educação e Diversidade. “Quando os jovens se valorizam, temos menos violência urbana. Conseguimos, em alguns casos, tirar adolescentes das drogas”, conta.
As atividades oferecidas, que começaram com a capoeira, maculelê e com a criação do Afoxé Odoyá – que mistura dança, percussão e cânticos, puderam então se estender a serviços de saúde gratuitos e chegaram a compor uma verdadeira rede de educação paralela. Com o espaço aberto nas escolas pelas Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), as iniciativas da Casa de Iemanjá, coordenadas por um núcleo de educadores, complementam a formação dos jovens da Ponta da Terra, Pajuçara e Vila dos Pescadores, pobres – em sua maioria – e com problemas de baixa auto-estima.
“Mostramos que o cabelo deles não é feio; é diferente e é bonito também. Que não precisa alisar com ‘chapinha’. Nós trabalhamos para resgatar a auto-estima desses jovens afrodescendentes, para que eles assumam sua identidade e se valorizem”, explica Pai Célio.
De acordo com o sacerdote, as crianças e adolescentes que participam das atividades culturais da Casa, além de terem um melhor rendimento escolar, apresentam bom comportamento nos seus lares. “As mães, inclusive, quando querem castigá-los por alguma travessura, ameaçam deixá-los sem vir para o afoxé. Elas dizem que é um santo remédio”, conta satisfeito.
As principais lutas de Pai Célio, agora, são incentivar outras casas de candomblé de Maceió a se institucionalizar para realizar um trabalho semelhante e insistir na criação de uma secretaria para as minorias. “Cinco casas de axé estão tirando CNPJ e criando um estatuto para começar a promover atividades. Isso é maravilhoso. Mas precisamos de um órgão de governo que olhe pelos índios, negros, quilombolas, para esse povo que ainda é taxado e tratado como uma ‘minoria’, e que sempre estiveram à margem do desenvolvimento”, conclui.
Cinema, leitura e até telecentro
A diversidade de atividades promovidas pela Casa de Iemanjá chega a surpreender. O Cine Axé acontece na última sexta-feira de cada mês e a cada edição visita uma escola diferente do entorno. Os filmes, de temática afro, são seguidos de debates com os alunos. Já a biblioteca instalada na Casa é um referencial para quem quer pesquisar a história e a cultura afro-brasileira.
O viés educacional da ONG vai ganhar reforço com a implantação de um telecentro nos próximos meses. A casa foi contemplada em um edital da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (Secti), no final do ano passado, e já recebeu computadores e mobiliário para o futuro Centro de Inclusão Digital. “Alugamos um espaço, onde o telecentro será montado. Essa foi a nossa contrapartida. Agora só falta a instalação”, comemora o babalorixá. As atividades serão abertas às escolas da região, aos jovens da comunidade e, talvez, aos idosos das redondezas.
Saúde
A ONG integra a Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde, o que favoreceu a oferta de serviços gratuitos à população. Seguindo um calendário nacional, acontecem dias inteiros dedicados à exames e orientação da população, como diagnósticos de diabetes, glaucoma e atenção à saúde da mulher, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau).
Uma das maiores conquistas nessa área foi a inclusão da disciplina Saúde da População Negra no curso de medicina da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Fonte: Luciana Buarque / Tudo na Hora
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