quarta-feira, 10 de setembro de 2008

No MA, comunidade quilombola tem 1º candidato 130 anos depois


Artesã de Itamatatiua concorrerá a vaga na Câmara Municipal de Alcântara


HUDSON CORRÊA
ENVIADO ESPECIAL A ALCÂNTARA (MA)


Formada por descendentes de uma escrava "doada como esmola" à igreja local, segundo contam seus moradores, a comunidade quilombola de Itamatatiua, em Alcântara (MA), lança uma representante numa campanha política 130 anos depois de sua formação.

Nascida na comunidade, a agricultora e artesã Marinete Conceição de Jesus é candidata à vereadora pelo PDT. Se eleita, promete apoiar o povoado onde moram cerca de 170 famílias. Para Marinete, a prefeitura pouco faz pelos moradores.

A comunidade sobrevive da agricultura e do artesanato de peças de cerâmica, moldadas por um grupo de mulheres.

Distante mais de 70 km do centro de Alcântara, Itamatatiua não tem nem sequer posto de saúde. Paredes de barro dão forma às casas, muitas delas com telhado de palha, distribuídas em rua de terra batida onde transitam porcos e bois.

O município de Alcântara, segundo a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, concentra o maior número de comunidades quilombolas certificadas do Brasil: 156. Ao todo, são 1.252 no país. Não existem estatísticas sobre número de habitantes nas comunidades.

Um dos moradores mais antigos de Itamatatiua, com idade "entre 80 a 90 anos", como ele mesmo diz, Cândido dos Santos de Jesus não tem muita esperança em políticos, embora tenha pendurado na parede de sua casa, do lado de fora, os cartazes de propaganda dos três candidatos que disputam as eleições em Alcântara.

"Eles só aparecem aqui na época da eleição", afirma Cândido, avô de Marinete.

Convidada pelo candidato a prefeito Pastor Pedro (PDT) a disputar as eleições de 2008, Marinete espera não se decepcionar com a política. "Pedi para ele, se eleito, não sumir", diz.

Em campanha ela percorre as comunidades quilombolas próximas e fixa o cartaz com sua imagem ao lado do pastor.

Para a artesã Eloisa Inês de Jesus, 54, indicada pela comunidade para contar a história do povoado, a esperança é Marinete. Eloisa reclama que a comunidade recebe mais atenção dos governos federal e estadual. "Falta incentivo da prefeitura para a nossa produção. Eu sou desempregada. Só vivo de artesanato", desabafa.

Foguetes
Os professores quilombolas do povoado de Cajueiro, Luiz Diniz, 60, e Raimundo dos Remédios, 38, dizem que os assuntos relacionados às comunidades passam ao largo da campanha eleitoral.

Há 22 anos, Diniz, sua família e demais membros da comunidade foram retirados da área onde vivem para dar lugar ao CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), da Aeronáutica.

Diniz afirma que atualmente a comunidade, situada a 15 km do centro de Alcântara, tem 277 pessoas. Falta terra para plantar, segundo ele. "Recebemos pequenas indenizações [do CLA] em 1986. Ainda não temos os títulos de posse das terras. Alguns sequer receberam a indenização".

A Folha procurou a assessoria de imprensa da Aeronáutica, mas não obteve resposta.

As comunidades quilombolas geralmente vivem da agricultura e da produção de farinha de mandioca.


Fonte: Folha de São Paulo (08/09/08)

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