O dia 19 de novembro foi de festa para o Movimento Hip Hop no Estado de Alagoas.
No Espaço Cultural Acotirene localizado na cidade de União dos Palmares ocorreu a exibição do documentário “A Cultura Hip Hop Vive em Alagoas”, uma roda de conversa sobre a organização dos grupos e a reativação da Posse Atitude Periférica (organização fundada em 1994 e que foi desativada em 2011). Também teve show do rapper Gog na praça Basiliano Sarmento, com muito breack, rap e canções reflexivas sobre as questões sociais.
Outro ponto que merece destaque foi a entrevista com Gideon Santos (Zazo) no encarte afro Axé Especial, publicado no dia 20 de novembro, destacando a importância desse movimento existente há 30 anos em Alagoas.
Confira abaixo a entrevista na íntegra e acesse também o blog: hiphop-al.blogspot.com.br.
“O hip-hop é também uma ferramenta que pode ajudar conscientemente a transformar a sociedade”.
Por: Helciane Angélica - Cojira/AL
O movimento hip hop teve início na década de 1970, em comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas. Ao longo dos anos se expandiu pelo mundo e conquistou a simpatia dos jovens, e tornou-se um dos mais importantes gêneros musicais, além de ser uma ferramenta de liberdade de expressão e denúncia social. Em Alagoas, o movimento hip hop existe há quase 30 anos.
Nesta edição do encarte afro Axé Especial, entrevistamos Gideon Santos, conhecido como Zazo, que tem 24 anos e atua no hip-hop como Mc, produtor de eventos e documentarista. Ele foi o diretor e editor do documentário “A cultura Hip Hop vive em Alagoas”, lançado no dia 27 de setembro de 2013, no Sesc Centro, em Maceió. Desenvolvido pela Kzebre Filmes e Fallin’ Entertainment, contou com a produção executiva de Alyne Sakura e Pablo Gomes; Sérgio Santos na Co-produção e música de Xeque Mate Popular.
Trata-se de uma iniciativa independente, que tem o patrocínio do Governo Federal através do Prêmio Hip-Hop Edição Preto Ghoéz, e, pretende-se inscrever em festivais e posteriormente deixar disponível no youtube. Já foi exibido em Maceió, São Miguel dos Campos e União dos Palmares, e ainda, no Estado de Sergipe em um evento da UFSE.
Saiba um pouco mais sobre o universo desse movimento em Alagoas.
Axé Especial: Na sua opinião, qual é a importância do Movimento Hip Hop?
Zazo: O hip-hop representa a voz do jovem oprimido por essa sociedade desigual. Além da parte artística e cultural, o hip-hop carrega em si várias discussões sociais e políticas: pobreza, miséria, violência policial, drogas e sua devastação na periferia, alienação, criminalidade, exclusão social, precariedade dos serviços públicos, etc. Para mim o hip-hop é uma forma legítima da juventude lutar por direito a um futuro digno.
Axé Especial: Quais as ramificações do hip hop?
Zazo: Divide-se em quatro elementos: Break, Mc, Dj, Graffiti. É um movimento cultural divergente onde não há uma unidade acabada entre membros desses quatro elementos. Geralmente esses elementos acabam caminhando de forma separada, cada um fazendo o seu. Para nós, é considerado como integrante do hip-hop não apenas o cara que pratica o break, ou canta rap de forma individual. Mas sim, o indivíduo que pensa no hip-hop como um todo, que organiza eventos, que faz oficinas, que gera e transmite conhecimento, que enxerga no hip-hop uma ferramenta para conscientizar a juventude e atraí-la através da cultura, para debater e buscar solução para os problemas que afetam o povo da periferia. Portanto nem todo mundo que dança, canta, graffita ou discoteca, é do hip-hop. A maioria são membros de algum elemento do hip-hop, porém são poucos que vivem e representam o hip-hop.
Axé Especial: Quem são os ícones do hip hop no Brasil?
Zazo: Eu não diria que o hip-hop tem ícones, eu diria que há companheiros e companheiras que dedicaram boa parte das suas vidas nessa construção coletiva do movimento pelo Brasil. Posso citar alguns como: King Nino Brown, Nelson Triunfo, Thaide e Dj Hum, GOG, Dj Raffa, Preto Ghoéz, X, Japão,Ndee Naldinho, Gas Pa, Slow Dabf, Banks, Lamartine, Marcelinho Back Spin, Dj Branco etc. Am Alagoas, temos o Ari Consciência, Paulo 'DJP', Afrojay, Vanderson Sulista, Cacá, Mano Van, Julimen, Dj ASB, Tião, Ace Rick, Malukinho, Valdecir, Zulu Fernando, Kiko, Preto M, e tantos outros que fortaleceram e ainda fortalecem nossa luta.
Axé Especial: Existe alguma relação entre o hip hop e os movimentos sociais?
Zazo: Sim, mas ainda é uma relação pouco fortalecida. Acredito que aqui em Alagoas, o hip-hop vai participar mais das lutas sociais, unificando com movimentos sociais quando ele estiver melhor organizado. Sendo um movimento cultural, o hip-hop tem seus limites. Boa parte dos membros não se interessa tanto pela discussão social, protestos e mobilizações. Eles gostam mesmo é de dançar, cantar, graffitar, discotecar e só. É aí, é onde o hip-hop organizado deve trabalhar, explicando e convencendo que o hip-hop é muito mais que arte e cultura, é também uma ferramenta que pode ajudar conscientemente a transformar a sociedade.
Axé Especial: Quantos grupos de hip hop existem em Alagoas e quais são eles?
Zazo: Não tenho essas informações catalogadas ainda, mas existe cerca de 30 grupos de rap, dezenas de b-boys e b-girls, uma quantidade reduzida de graffiteiros (pouco mais de 10), e outra mais reduzida ainda de Dj's de hip-hop (menos de 10).
Axé Especial: Atualmente, existe algum fórum ou federação que congregue esses grupos?
Zazo: Não. O que existe são associações culturais informais que atuam nas periferias de Maceió, União dos Palmares e São Miguel dos Campos. Em União dos Palmares existe o Movimento Hip-Hop Palmarino (MH2P) e em São Miguel dos Campos o Coletivo Hip-Hop Miguelense. Na capital temos duas organizações que estão paradas, a Posse Guerreiros Quilombolas e Posse Atitude Periférica. Outras duas organizações continuam atuando como é o caso do Coletivo Cia Hip-Hop e do recém-formado Coletivo Nova Tropa de Zumbi. Da nossa parte estamos rearticulando a ativação da Posse Atitude Periférica, organização fundada em 1994 por Paulo 'DJP' que fez um excelente trabalho expandindo nossa cultura para outros municípios e construindo um hip-hop sem drogas, como uma forma de garantir a preservação física da juventude das periferias 'Periferia sem vícios é periferia menos violenta'.
Axé Especial: Quais as principais atividades do movimento hip hop desenvolvidas em nosso Estado?
Zazo: Geralmente quem organiza as atividades são os coletivos e as posses, ou pessoas mais antigas do movimento. O pessoal organiza eventos de rua com break, rap e Dj; oficinas de algum elemento do hip-hop, mutirões de graffiti, debates, festas, etc. Geralmente, tentamos unir a cultura à alguma discussão social importante, fortalecendo a formação dos membros do hip-hop.
Axé Especial: Como é a participação feminina nesse segmento cultural?
Zazo: A participação feminina no hip-hop ainda é limitada não só em Alagoas como em vários cantos do mundo. Essa é uma das grandes polêmicas do hip-hop, muitas vezes as mulheres que atuam na cultura hip-hop são pouco valorizadas, sofrendo discriminação e preconceito. No rap algumas letras, degradam a imagem das mulheres, mostrando-as como meros objetos sexuais. No break elas também sofrem uma limitação de espaço, recebem pouco incentivo, junta isso com a pressão da família em casa e isso faz com que ela abandone a cultura. O machismo influencia diretamente na quantidade de mulheres que atuam no movimento, o problema é que muitas vezes o machismo é invisível nos olhos do machista, então ele resiste e não reconhece que esse é um dos problemas que afetam a quantidade de mulheres no hip-hop.
Axé Especial: E quanto ao documentário “A cultura Hip Hop vive em Alagoas” como surgiu o interesse em produzi-lo e quais as dificuldades enfrentadas?
Zazo: Surgiu numa reunião da Posse Atitude Periférica em meados de 2009, a ideia era retratar e registrar a atuação do movimento. Em 2010 o Governo Federal lançou o edital 'Prêmio Hip-Hop Edição Preto Ghóez', onde inscrevi meu projeto e ele foi aceito. O valor que recebemos com o Prêmio foi pouco mais de 10 mil reais. Quase metade desse valor foi usada na compra da câmera e comecei a captação das entrevistas em junho de 2011. Ao todo foram 2 anos e 3 meses de trabalho, entrevistamos cerca de 40 pessoas em três municípios. Obviamente o recurso do prêmio não foi suficiente para concluir o trabalho, então coloquei mais de 5 mil reais do meu bolso para a conclusão desse nosso longa metragem.
Axé Especial: Qual a mensagem do documentário?
Zazo: Mostrar que existe hip-hop em Alagoas há quase 30 anos, mas essa cultura ainda é muito marginalizada apesar de fazer um excelente trabalho de conscientização, desviando muitos jovens do crime e das drogas através da arte. O filme faz alguns debates importantes relacionados à nossa cultura: mostra a evolução do hip-hop, as divergências, pouca participação feminina, combate às drogas, rap e torcidas organizadas, financiamento público, apologia às drogas e ao crime, eventos etc. Eu não quis fazer uma 'perfumaria', fazendo de conta que o movimento hip-hop é perfeito, minha intenção foi mostrar o hip-hop como ele é, as disputas internas, as divergências, as limitações e sua potencialidade. Outro aspecto a ser mencionado é que tomei a iniciativa de contar nossa história por nós mesmos. Nós somos geradores de conhecimento, porém são pessoas de fora da cultura que sistematizam e lançam filmes, livros, artigos, sobre o hip-hop. Outro objetivo central do documentário foi suscitar o debate sobre a necessidade de fortalecer a organização interna do movimento, o respeito entre as diferenças e a união a partir de coisas que temos em comum.
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