quarta-feira, 3 de março de 2010

Histórias de superação



Claireece Preciosa Jones tem 16 anos, é analfabeta e obesa. Ela frequenta a escola, mas é motivo de zombaria. Está grávida pela segunda vez, como resultado de um estupro de seu próprio pai. Sua mãe, em vez de a defender, acusa a garota de roubar o seu homem e a espanca. É um mundo cruel esse de Preciosa – mas um pingo de esperança a faz seguir em frente, apesar da baixa auto-estima e do desespero.

Essa é a premissa de “Preciosa”. O longa concorre a seis Oscar, entre eles, melhor filme, diretor, atriz e atriz coadjuvante. A personagem central é interpretada pela estreante Gabourey Sidibe, e é difícil imaginar o filme com outra atriz no papel-título. Ela é capaz de encarnar esta sofredora sem transformá-la em mártir, sem torná-la uma causa social, mas apenas uma garota de 16 anos que passou por uma vida cheia de abusos e que, mesmo assim, encontra um novo caminho.

Desde que estreou no Festival de Sundance, em janeiro de 2009, onde ganhou o prêmio de público e do júri, “Preciosa” conquistou dois fãs de peso: a apresentadora Oprah Winfrey e o diretor e comediante Tyler Perry (“Diário de uma louca”).

O roteiro – indicado ao Oscar na categoria de melhor roteiro adaptado – baseia-se num romance da poetisa Sapphire, que foi professora no Harlem, onde conviveu com muitas garotas parecidas com suas personagens. O livro é uma homenagem a outro romance, “A Cor Púrpura”, de Alice Walker – e que, aliás, torna-se fundamental na vida de Preciosa.

A esperança entra na vida da garota através da professora Blu Rain (Paula Patton, de “Déjà Vu”), que Preciosa conhece quando se matricula numa escola alternativa, onde estudam garotas tão problemáticas quanto ela.

A professora é a única pessoa que mantém a fé em todas as alunas, esforçando-se para que aprendam a ler e escrever, entrem para uma universidade e mudem de rumo.

A diferença entre a srta. Rain e todas as outras pessoas em torno de Preciosa e suas colegas é que a professora nota essas meninas – enquanto para o restante da humanidade elas parecem simplesmente não existir. Ela é a única capaz de ver além das aparências e da linguagem vulgar da protagonista e perceber que há uma menina desesperada ali que foi obrigada a crescer à força e sem opções.

SACO DE PANCADAS – A mãe de Preciosa, Mary – interpretada pela comediante Mo’Nique -, não apenas ignora a filha, como também a transforma em sua serviçal e saco da pancadas.

As duas moram num pequeno apartamento no Harlem, de onde Mary praticamente não sai, passando todo o tempo diante da televisão. Um de seus raros contatos com o mundo externo é a visita mensal de uma assistente social, de quem depende a continuidade do recebimento do dinheiro da previdência social que sustenta a família.

Nessa ocasião, Mary manda trazer para sua casa a primeira filha de Preciosa, uma menina que vive com a avó e tem síndrome de Down.

Os únicos momentos de alívio na vida de Preciosa são suas fantasias, nas quais se imagina linda, rica e amada – especialmente por belos rapazes. Isso é apenas uma válvula de escape de uma garota que cresceu junto a pais que são verdadeiros monstros. O único momento em que Mary deixa transparecer um lado humano é no clímax, perto do final do filme – num diálogo que, se permite compreender suas razões, não a absolve dos trágicos erros em relação à filha.

O diretor, Lee Daniels, tem em seu currículo apenas outro filme (“Matadores de Aluguel”), além de outros como produtor – entre eles o premiado “A última ceia,” de Marc Forster, que rendeu a Halle Berry o Oscar de melhor atriz em 2002.

A atriz, em seu primeiro papel, é capaz de transcender rótulos e criar uma personagem cujo sofrimento parece tão real quanto sua humanidade. É fácil entender por que a professora e a assistente social compram a briga por ela – muita gente faria o mesmo.

Invictus filme chega dividindo opiniões

Vlademir Lazo

Cine Players

A incrível seqüência de grandes filmes de Clint Eastwood nos últimos dez anos fez com que seu novo trabalho, Invictus, tenha sido aguardado com muita ansiedade, com a perspectiva de mais um belo trabalho do diretor por parte de seus admiradores.

Só que na vida, e no cinema, expectativas são terríveis. E normalmente cobram um preço. Conseqüentemente, o filme chega dividindo opiniões, entre os que visivelmente se encantaram com esse novo trabalho, e os que parecem não reconhecer nele a qualidade das obras mais recente de Clint Eastwood. Uma provável causa da decepção é que, ao contrário dos mais aclamados filmes do diretor nessa presente década (que nos habituaram a conviver com tragédias coletivas ou individuais), Invictus não termina entre mortos e feridos envoltos de uma catástrofe emocional, nem com figuras psicologicamente devastadas, fatores que eram uma das principais razões da platéia sair abalada da frente da tela e levar os filmes do diretor na cabeça na volta para casa. Invictus é diferente, se encerra de uma maneira mais branda e sossegada, se for comparado em relação aos desfechos de todos os filmes que Clint dirigiu entre Sobre Meninos e Lobos e Gran Torino.

É que Invictus não termina numa grande tragédia, mas começa a partir do resquício de uma. A História assombra a película do inicio ao fim. O passado de lutas e sacrifício de um povo e de Nelson Mandela (Morgan Freeman, em atuação notável) aparece mais como um fantasma que deve ser superado, um ponto de partida para a reconstrução de uma nova era. A sua força reside na forma como confere densidade à história recente, e que nos permite acessá-la em todo o seu peso, sobretudo pela maneira como Invictus circunda o tema. É menos um filme sobre o apartheid e mais um filme a partir dele, que não trata diretamente do assunto, mas que pensa sobre ele, que confronta os sentimentos do público sobre a temática. Um filme que existe depois da catástrofe. O estrago já aconteceu, cabe ao cineasta chegar depois e filmar os destroços e a reconstrução de uma nação em frangalhos, porém em processo de se reerguer o mais ligeiro possível.

DIALÉTICA – Invictus se constitui de uma dialética: de um lado, um documento sobre o visível, sobre a África do Sul reconstruída que o filme capta de forma concreta, do outro o peso do não-vísivel, do preconceito e da intolerância que estão presentes na memória e nos rostos dos personagens marcados por dolorosas lembranças (e que atinge o seu ápice na visita do capitão da equipe de rúgbi François Pienaar (Matt Damon) à antiga prisão em que Mandela esteve encarcerado durante vinte e sete anos). O filme acompanha os meses seguintes à vitória de Mandela à presidência, e toda a sua convicção de que será capaz de unificar a população do país, realçando o seu papel de um grande líder hábil em evitar que se reforce o ciclo de medo que sempre existiu em sua pátria, esforçando-se ao máximo para romper esse circulo vicioso de ódio e rancor.

A obra é também sobre esporte, com muitas das características que permeiam as películas que narram competições desportivas, mas do mesmo modo que Menina de Ouro também era sobre boxe, felizmente a temática não engole o próprio filme, que marca posição ao diferenciar a importância dos jogos, não fazendo com que eles se tornem o interesse principal do filme, mas sim um dispositivo elegantemente disfarçado nos detalhes da dramaturgia para alcançar a sua devida conotação política. O presidente Mandela busca utilizar a praticidade dos valores universais e imediatamente reconhecíveis do esporte como recurso para a união entre seu povo, impulsionando a desmotivada seleção de rugby da África para vencer o campeonato mundial prestes a ser sediado pelo próprio país.

Ao final percebemos que, da mesma forma que as mais recentes e festejadas obras de Clint Eastwood, Invictus é sobre personagens dispostos a morrer ou se sacrificar por uma causa ou crença inabalável, e então reconhecemos que se trata de mais uma legítimo trabalho de Clint, além de essencialmente um filme sobre uma nação e seu novo líder, e que nos mostra a História acontecendo tão perto de nosso tempo.

Reuters

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