segunda-feira, 19 de abril de 2010

Só Porque Estavam Nus

Algumas das utopias acalentadas pelas sociedades ocidentais tinham sido alcançadas e se mostravam reais




- Preguiçosos, folgados, gentílicos, só sabem pedir mais terra, tomar cachaça e reclamar, reclamar...

Esta, provavelmente, pode ser a resposta que uma boa parcela da população brasileira daria se perguntada sobre o que pensam dos nossos índios. Porém, quem comete esse tipo de resposta desconhece que este deturpado conceito coletivo, no que se refere aos povos indígenas, nada mais é que o reflexo de uma visão destorcida que, através dos séculos, foi construída de geração em geração a partir da nossa incapacidade de entender, aceitar e respeitar a cultura do índio brasileiro. E tudo começa lá na gênese dessa questão. Primeiro, pelo fracasso dos colonizadores em escravizá-los e catequizá-los. Depois, em ato contínuo, pela matança indiscriminada de parte da nação indígena brasileira.

Pelo grau natural da resistência estabelecida pelos nossos gentios, só restou ao dominador, “povos civilizados”, subverter os valores da cultura indígena, desqualificando-a pelo descrédito e desdém. São estas as armas covardes utilizadas por quem tem rabo-de-palha e visão geodésica pautada pela ignorância premeditada. Senão vejamos: achamos que o índio brasileiro é preguiçoso porque em sua cultura prevalece o respeito à natureza e, de forma respeitosa e criteriosa, se apropria apenas do que é necessário à sobrevivência, deixando por conta da própria natureza a renovação dos mananciais, capazes de garantir sua existência em perfeita harmonia com o todo.

É claro que tal forma de vida, cuja estrutura social demonstrava que algumas das utopias acalentadas pelas sociedades ocidentais tinham sido alcançadas, sem conceitos cumulativos, sem prisões, sem hospícios e em perfeita harmonia com a natureza. Tudo isso deve mesmo ter causado estranheza ao dominador. No entanto, ao invés de ser uma lição de vida, foi entendida como indolência, preguiça e um prato cheio para a avareza dominadora que, hoje, mais do que nunca, as sociedades modernas cultivam.

Por outro lado, de tão integrado à natureza, pois sua cultura foi construída no âmbito dela própria, foi difícil para o indígena assimilar a visão ortodoxa do branco que, por sua vez, invariavelmente, se utilizou de uma linguagem bastante peculiar em seus perversos derivativos: escravização, estupros, doenças contagiosas, seqüestros e matança gratuita.

Naturalmente, fugindo dessa praga avassaladora, o índio brasileiro se embrenhou nas matas em busca de um isolamento onde fosse possível se ver livre de tanta agressão aos seus valores, conceitos e crenças. Atualmente, nem isso é possível. Apesar das demarcações das terras indígenas em imensos territórios, conceituados de nação (para a ONU este conceito significa soberania), as invasões continuam e desta vez sob as bandeiras estrangeiras. Orlando Villas Boas, antes de morrer, já havia alertado sobre a estratégia americana que envolve os índios da Amazônia e a iminente ocupação de suas nações pelo “bondoso” Tio Sam.

E é assim que, vergonhosamente, temos muito pouco da contribuição que a cultura indígena poderia ter dado para a formação cultural do povo brasileiro. É por isso que boa parte da mídia, no dia do índio, prefere destacar o aniversário do Roberto Carlos e, este ano, à morte da sua mãe. Afinal, ele fez canções para caminhoneiros, gordinhas, santos, santas, baleias e Jesus Cristo...

19 de abril, era o dia do índio.


Fonte: Blog Quiprocó - www.alagoasdiario.com.br

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