Uma matéria no jornal Estado de S. Paulo e duas notas publicadas na coluna "Panorama Político", do jornal O Globo, não deram conta da tensão que envolve setores religiosos que pretendem tratamento igualitário do poder público e de segmentos neopentecostais que não abrem mão de manter – e ampliar – seus domínios políticos e governamentais. O pequeno noticiário também não foi suficiente para revelar o verdadeiro problema desses setores que propagam o cristianismo fundamentalista em relação ao lançamento do Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (PNCIR).
A matéria publicada no Estadão (em 21/01) tratava do adiamento do lançamento do PNCIR – anunciado para 20/01 – e da queixa de pastores que reclamavam da cessão de terrenos públicos para religiosos de matriz africana e do tombamento pelo IPHAN de terreiros e casas de santo que fazem parte da história do negro no Brasil. A matéria vinha acompanhada de umas aspas da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que afirmava "ser preciso pactuar as bases do PNCIR com católicos e evangélicos".
Lógica elementar
Duas semanas depois, a coluna do O Globo, na edição de 10/02, informava que a Casa Civil havia determinado o engavetamento do Plano de Combate à Intolerância Religiosa. Na edição do dia seguinte, "Panorama Político" publicou o desmentido do "engavetamento" pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Segundo a nota, o PNCIR estaria sendo reavaliado.
Engavetado ou não, o que importa nesta polêmica são as bases propostas para confecção do PNCIR. Num encontro realizado em abril de 2009, no Rio de Janeiro, patrocinado pela SEPPIR, segmentos comprometidos com a liberdade de expressão religiosa de várias regiões do Brasil prepararam uma linha para o documento, que foi chamada de "coluna vertebral" do Plano de Combate à Intolerância Religiosa em nível nacional. O debate se concentrou em três eixos, levando-se em consideração a transversalidade do tema: Mídia, Segurança Pública e Educação. O documento com as propostas foi encaminhado ao governo federal que se comprometeu em reunir os religiosos numa audiência interministerial a ser convocada pelo presidente da República – o que não aconteceu.
A principal reivindicação de católicos, judeus, muçulmanos, evangélicos históricos, afrorreligiosos, ciganos e minorias étnicas presentes ao encontro, é a de uma punição mais rígida – com multas pesadas – e a perda de concessões de emissoras que transmitam e/ou veiculem programas de cunho proselitista. Ou seja, que a Lei de outorga de concessões de canais de rádio e TV, que garante a pluralidade de pensamento nas grades de programação, seja cumprida.
Outro ponto fundamental para a elaboração do Plano diz respeito a proibição de governos e estatais em anunciar ou patrocinar programas, emissoras, jornais ou qualquer outro veículo de comunicação que pregue a intolerância religiosa. A lógica é elementar: o dinheiro público não pode financiar a perseguição de uma parcela considerável da população – que tem o direito de escolher a religião que quer seguir ou de não ter confissão religiosa alguma.
Programas que insuflam a intolerância
Isso significa que o PNCIR propõe que pastores, bispos, apóstolos e enviados do próprio Deus que possuírem uma estação de rádio ou TV, percam suas procurações divinas – e as subvenções públicas – e passem a responder criminalmente por suas pregações demonizadoras contra outras religiões. É assim que deve se comportar um Estado laico que promove a diversidade e o respeito entre todos os indivíduos. E é isso que os segmentos esperam do governo federal.
As ações propostas pelos religiosos para serem implantadas em nível federal na área de Segurança Pública pretendem a atualização de todas as delegacias, a exemplo do estado do Rio de Janeiro, para a correta tipificação do crime de discriminação por confissão religiosa, com base no artigo 20 da Lei 7716/89 – que trata o crime como inafiançável e prevê pena de até cinco anos de prisão – além da sensibilização dos Operadores do Sistema de Justiça Criminal para lidarem com a temática.
Já na Educação, a reivindicação é de que seja efetivamente implementada a Lei 10639/03, que instituiu o ensino de História da África e Cultura Afrobrasileira em todos os níveis escolares, nas redes pública e privada, e o aperfeiçoamento do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que torna facultativo o ensino religioso nas escolas e na formação de professores do ensino fundamental.
Portanto, o verdadeiro problema da resistência dos neopentecostais ao Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa está longe de ser uma questão fundiária ou de patrimônio histórico como fizeram questão de parecer para a opinião pública. Fica a dúvida: ou os fundamentalistas cristãos não querem o cumprimento das leis vigentes que garantem a liberdade de expressão religiosa no país para todos os segmentos, ou o "calcanhar de Aquiles" do PNCIR tem a ver com o poderio comunicacional construído pelas igrejas neopentecostais ao longo dos últimos anos e com a impunidade das emissoras que veiculam programas que insuflam a intolerância religiosa. Pode ser as duas coisas.
Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=578JDB007
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