Construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina ao negro, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se é um desafio enfrentado pela metade da população brasileira, ou seja, a população negra.
Será que a sociedade-escola, está atenta a essa questão?
Ana Laura tem 02 anos e é o seu primeiro dia na creche. É o início da socialização entre seus pares, outras crianças-bebês como ela. Lúcia, a mãe produziu o cabelo da menina com muitos tererês e pequenas tranças.
Ao chegar à creche, Ana Laura, uma bela menina negra, é recepcionada pela tia-professora que em arroubos emocionais quase que grita: mãezinha como ela está bonita!
Que cultura sexista é essa das escolas infantis que faz com que nós, mulheres percamos a identidade do nome para ser reduzidas a simples “mãezinhas?
Entre o texto e o contexto novas crianças vão chegando, umas cabisbaixas, outras competindo com a resistência dos tecidos das saias e equilíbrio emocional das mães. Chega Maria Clara, uma bela criança loira, olhos claros e como Ana Laura recebeu a recepção da-tia professora. Agora o adjetivo é ampliado, torna corpo. Ao ver Maria Clara a tia explode: Mãezinha como ela está lindaaaa! Ana Laura, a menina primeira não entende o que é adjetivo, mas sente que entre o "bonita" e o "lindaaa" há entraves, contrastes e diferenciações.
Nenhum discurso é neutro. Os arroubos emocionais e diferenciais da professora da creche no comparativo entre as duas crianças uma negra,outra branca é o reflexo dos conceitos absorvidos e naturalizados sobre o bonito e o feio, o negro e o branco,o Brasil Colônia dos brancos e a senzala periferia dos ditos “escravos”. A escola ao omitir-se contribui para intensificar o preconceito.
Observando a diferença de demonstrações afetivas da tia-professora a pequena, Ana Laura menina negra já começa a descobrir a desvantagem do ser diferente e que ter pele clara e “cabelo liso” traz privilégios!
A Lei Federal nº 10.639/03 surgiu há sete anos na busca de construir e consolidar movimentos permanentes para a promoção da abolição de idéias, conceitos, preconceitos que interferem na construção do ideário social, refletido nas salas de aula. Movimentos que busquem inserir e consolidar no contexto/currículo educacional, o real conhecimento da história e dos parâmetros que a moldaram, impulsionando a leitura das conseqüências perversas do racismo que submete o ideário social/escolar aos conceitos escravizantes e hegemônicos, desrespeitando a diversidade/pluralidade cultural e étnica das povos/nações.
Como incorporar o “diferente” sem mexer na estrutura ideológica do currículo escolar? Como promover a ruptura com o previsível conhecimento dos lugares estigmatizados da escola, em cheiros de diferentes gentes, em sentimento de pertencimento? Em som e movimentos que construam sentidos para crianças e jovens excluídos social e racialmente? Como promover outro gênero de gente? Gente que não seja ninguém. Como provocar impacto nos silêncios sociais ultrapassando os limites do “cordial” racismo à brasileira?
Segundo Diva Moreira, especialista do PNUD em desigualdade racial “Analisar o racismo institucional é perguntar: 'olha, o que está acontecendo nesta instituição, quais são os mecanismos através dos quais os serviços que ela oferece para a população branca são diferenciados em relação aos oferecidos para a população negra?' Isso é da maior relevância. Sem isso você não pode discutir com os servidores públicos. Quando você vai discutir o racismo institucional, as pessoas negam, de pés juntos, dizem que seguem rigorosamente o código de ética. E na verdade é só retórica, que encobre realidades .No que diz respeito à escola, isso é gritante. Já existe muito mais acúmulo na área da educação, há um tratamento grosseiro, discriminatório, de piadas, de apelidos infames que as crianças negras recebem dentro da sala de aula. O que leva em conseqüência às taxas elevadas de repetência, de faltas, de evasão escolar”.
Experiências de oficinas realizadas no SEBRAE/AL, dia 25 de abril de 2006, com a participação de profissionais de educação nos mostra caminhos de mudanças possíveis.
O professor descreveu o processo de construção de um “Mascote” para um complexo escolar da capital alagoana, a partir de oficinas, nas quais os próprios alunos confeccionavam bonecos para uma futura escolha do mascote, o professor observou que vários bonecos tenderam para características negras estereotipadas, dos 10 bonecos confeccionados, 08 tinham características afros e 02 européia (loiros). Para sua surpresa os 08 bonecos de características afros foram rejeitados. Nesse momento, o professor se deparou com uma situação de trabalho que demandava discutir conceitos e paradigmas, visto que, essa situação expressava o poder/influência da cultura negra, contudo, de forma estereotipada e preconceituosa. Logo, iniciou um trabalho de reflexão, a partir de questionamentos sobre os conceitos de belo e feio, cultura (cultura de massa, popular, erudita etc.), dentre outros. Durante esse trabalho, o professor discorreu sobre a origem do povo brasileiro, considerando a contribuição do povo africano, europeu, asiático e do povo indígena, evidenciando que há visibilidade em nós, de cada uma dessas origens.
Nessa discussão foi colocada à questão religiosa, uma vez que, em quase todas as escolas encontramos imagens de santos católicos. Se realmente dermos a real importância a todos os povos que originaram a nação brasileira as escolas deveriam ter imagens e símbolos da religiosidade das 04 origens. Concluíram que não precisavam criar arquétipos: africanos, indígenas, europeus ou asiáticos, era preciso reconhecer sua importância para a consolidação de novos valores, novos princípios que valorizem a diversidade, criando uma identidade nacional onde o ser diferente não denote ser desigual em direitos e oportunidades. Lembrando que muitas vezes não são as características físicas que determinam uma identidade, pois em alguns casos a cor da pele não é negra, porém, o indivíduo se considera negro por herança cultural, se reconhece culturalmente, ou seja, há pessoas que se consideram negras e tem características negras visuais e outras não e vice-versa. “O professor finalizou a sua fala dizendo que o Brasil precisa criar essa identidade, se reconhecer culturalmente, valorizando a diversidade do país”.
É urgente que a questão do estudo das africanidades brasileiras conquiste a dimensão política e institucional, traduzida na acepção das bases jurídicas (leia-se Lei Federal nº 10.639/03 e Lei Estadual nº 6.814/07/AL), tendo como objetivo fazer valer direitos anunciados e formalmente ignorados no cotidiano sócio-escolar.
É preciso que as Universidades brasileiras tomem para si a tarefa de formar professores e professoras sob a ótica da Lei Federal nº 10.639/03 e Lei Estadual nº 6.814/07/AL, para que o atual despreparo dos profissionais da educação seja revertido em multiplicação de conhecimentos que assegurem uma abordagem crítica contínua e transversal, promovendo assim a legalidade dessas políticas públicas.
A Pesquisa Científica de Márcia Cristiane da Silva e Alexandre Gomes Galindo, classificada em 1º Lugar na Sessão de Painéis do II Colóquio Etnicidades Internacional Brasil x África: Artes, cultura & Literaturas- Projeto Raízes de África – Maceió-AL- Nov. 2009, com o nome de “Implementação da Lei 10.639/03 no município de Santana-AP: Um Diagnóstico de Como as Questões Etnicorarciais estão sendo abordadas nos sistemas Municipal e Estadual de Ensino”, nos permite vislumbrar caminhos para que os Fóruns Permanentes de Educação e Diversidade Étnico-Raciais, as instituições ligadas as academias realizem pesquisas de caráter exploratório para mapear e consolidar a aplicabilidade da referida legislação federal e assim exercer controle social sobre a ação do Estado, especialmente no tocante às obrigações previstas em lei e, não raro, ignoradas pelos dirigentes públicos.
A pesquisa apresentou os seguintes tópicos: identificar o grau de conhecimento da sociedade sobre a implementação da Lei; identificar como os docentes das escolas estão implementando a Lei na sua prática de ensino; identificar quais e quantas escolas possuem Projeto Político Pedagógico formalizado e implementado dentro da perspectiva da Lei; analisar como as escolas, que possuem o PPP formalizado e implementado conforme a Lei 10.639/03 desenvolvem suas ações educativas referentes às relações etnicorraciais.
Com um mapeamento registrado e os números socializados saberíamos se o dia 09 de janeiro de 2010,que marca os 07 anos da lei nº 10.639/03, uma demonstração contundente da ampliação da consciência social de direitos, tem razão para festa.
Fonte: http://www.cadaminuto.com.br/
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