quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Quebra do Xangô: pesquisadores avaliam a intolerância religiosa

Noite de terror aconteceu há cem anos, mas as consequências de tanta intolerância ainda se fazem presentes


Por: Lenilda Luna - jornalista


"Xangô é pai, Xangô é rei, e quer justiça!" (Documentário de Siloé Amorim)
Antropólogos, historiadores e cientistas sociais da Universidade Federal de Alagoas se debruçam há muitos anos sobre a questão do preconceito racial e da intolerância religiosa. No centenário do episódio conhecido como o “Quebra do Xangô”, esses pesquisadores retomam fatos históricos e análises da conjuntura política daquele período, buscando entender o contexto social do quebra e os reflexos na nossa formação cultural.

Esse fato emblemático da história de Alagoas já estimulou a produção de teses de doutorado, documentários e vários artigos acadêmicos, que fomentaram debates dentro da universidade. O principal objetivo desses estudos é avaliar criticamente esses acontecimentos, considerando que os reflexos da intolerância religiosa perduram na atualidade. No centenário do Quebra, apresentamos a avaliação de uma historiadora e uma antropóloga da Ufal, que são estudiosas da cultura afro-brasileira e das manifestações que resistem em Alagoas.

O que foi o Quebra

Foi na noite de 1º de fevereiro de 1912 que o terror se espalhou pelos terreiros de cultos afro-brasileiros em Alagoas. O quebra-quebra foi liderado pela Liga dos Repúblicanos Combatentes, agremiação política que fazia oposição ao governador da época, Euclides Malta. As invasões, espancamentos e prisões aos praticantes de candomblé, umbanda e outros cultos durou até a madrugada de 2 de fevereiro, quando os praticantes homenageiam as entidades de Oxum e Iemanjá.

O Quebra provocou o fechamento de vários terreiros e a dispersão de ialorixás e babalorixás para outros Estados. Os que ficaram aqui, continuaram praticando os cultos em silêncio, sob intensa repressão e medo. Cem anos depois, várias manifestações estão sendo realizadas para protestar contra a discriminação que ainda perdura e exigir liberdade de manifestação cultural e religiosa.

O contexto político

“O episódio que ficou historicamente registrado como 'quebra-quebra dos terreiros' ou simplesmente 'quebra de xangô', revela uma importante face da cultura alagoana que merece registro. Refiro-me aqui à intolerância e ao preconceito históricos que animavam nossa provinciana Maceió em relação a referências religiosas que não fossem as católicas, as oficiais”, pondera a antropóloga e pesquisadora da cultura afro-alagoana, Rachel Rocha, coordenadora do Laboratório da Cidade e do Contemporâneo do Instituto de Ciências Sociais da Ufal.

A antropóloga destaca ainda que é preciso compreender a conjuntura política daquele momento, para contextualizar as razões de um fato histórico de violência injustificada. “Comumente, o episódio é subsumido no contexto político da época, quando se combatia a chamada Oligarquia Malta, que já se encontrava no poder há uma década. Essa faceta da política local retira da sociedade alagoana o que julgo ter sido a maior motivação para a destruição das casas de culto de matriz africana: nossa arrogância cultural para com as referências negras e nossa profunda ignorância sobre a África que habita cada um de nós”, ressalta Rachel Rocha.

Preconceito religioso

Segundo a historiadora Clara Suassuna, diretora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab), o evento em Alagoas influenciou também a formação cultural do estado vizinho. “Há reflexos diretos na história de Pernambuco, pois muitos dos religiosos de matriz africana tiveram como saída, a migração para o Estado vizinho, para não morrerem ou serem privados da liberdade pessoal ou de culto”, relembra Clara.

A historiadora destaca ainda que esse assunto foi banido das rodas de conversa por muito tempo. Os jornais chegaram a noticiar o Quebra como uma ação de limpeza. “Esse evento durante muitos anos ficou restrito aos jornais como sendo uma ação para limpar as almas da população das práticas religiosas demoníacas e perigosas para a sociedade”, destaca a diretora do Neab.

Para Clara Suassuna, o mais preocupante é que esses preconceitos perduram em nossa sociedade sem uma discussão profunda para combater práticas discriminatórias presentes no cotidiano acadêmico. “Alguns alunos universitários que ainda têm medo de entrar nos terreiros de Candomblé e Umbanda, quando são chamados para fazerem uma aula de campo. Isso ainda é reflexo da ignorância cultural que se tem e, acredito que é resultado do imaginário coletivo conservador que existe e que o tempo ainda não conseguiu acabar”, destaca a professora da Ufal.

Para a historiadora, manifestações de desagravo e resgate cultural como as que foram organizadas neste centenário do quebra, tem uma importância fundamental. “Principalmente no âmbito político, pois o debate não pode ficar apenas nos centros acadêmicos e educacionais. O Estado reconheceu seu erro e oficializou o seu perdão e isso é mais um avanço para a comunidade afro-alagoana, porque também não dizer, pernambucana, já que tantos filhos saíram da terra natal" diz ela.

Clara Suassuna ressalta a realidade sócio-cultural dos nossos dias, ainda com profundos reflexos de racismo. "Temos que pensar que o estado de Alagoas é composto por maioria afrodescendete (67% autodeclarados) e essa maioria está abaixo da linha de pobreza (65%) pelos dados do IBGE. São através das medidas afirmativas que vamos mudando, mas o processo é lento e por isso temos que ser atuantes” conclui a historiadora.

Assista ao documentário produzido pelo antropólogo Siloé Amorim, professor do Instituto de Ciências Sociais da Ufal, sobre o Quebra.


Fonte: Ascom Ufal

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