segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Jeferson De

Diretor de "Bróder!" tem projeto com Taís Araújo


O cineasta paulista Jeferson De entrou com o pé direito no universo do longa-metragem. Isso porque seu primeiro longa de ficção, “Bróder!”, que chega aos cinemas no dia 4 de novembro, representou o Brasil no Festival de Berlim de 2010 ao lado de “Besouro”, de Daniel Tikhomiroff. Aos 32 anos, ele gerou polêmica ao criar o movimento “Dogma Feijoada”, para mudar a forma como o negro é retratado na cinematografia brasileira. Em “Bróder!”, ele promete manter esta polêmica, ao convidar Caio Blat, um ator branco, para ser o protagonista do filme. Nesta entrevista, ele fala sobre seus ideais e diz que chorou quando soube que o filme havia sido selecionado para o festival.

Como você começou a se envolver com cinema? Fale um pouco sobre esta trajetória.
Eu nasci em Taubaté, estudava num bairro rural chamado Quiririm, de vez em quando o Mazzaropi filmava por lá. Então, é bem provável que eu tenha visto algum set dele. Meu pai era o responsável por buscar o projecionista para o clube dos funcionários de uma empresa e eu ia sentado no banco de trás do carro, tendo ao lado o projetor 16 mm. O projecionista esticava o lençol branco na quadra, armava os rolos e pronto, estava lá: O FILME. Isto tudo ficou gravado na minha memória, só fui me dar conta da importância depois de entrar na faculdade de cinema na USP. Achei que estava fantasiando com minhas memórias, mas perguntando aos amigos e à minha família tive a confirmação de que tudo aconteceu.

E como surgiu o roteiro do filme “Bróder!”? Você escreveu junto com o Newton Cannito, certo?
O roteiro é consequência de um processo criativo que vem dos meus curtas “Genesis 22”, “Distraída para a morte”, “Carolina”, “Narciso Rap” e “Jonas, só mais um”. A história traz o cotidiano dos meus amigos e das festas de minha família, por isso talvez seja um filme sobre afeto, amizade e amor.

Por que o Caio Blat? A escolha dele veio antes ou depois da questão da cor?
Quando enviei o roteiro ao Caio, ele me respondeu dizendo: “Muito obrigado eu sempre quis ser negro”. Através do roteiro ele entendeu toda a proposta do “Bróder!” e, principalmente do seu personagem. Ou seja, o personagem já era branco desde sua criação, pois, quando olho a periferia multicolorida, ela grita: “Jeferson De, presta atenção!”. O Macu é um menino branco que tem certeza que é negro, tem um padrasto negro, seus melhores amigos são negros, toda a cultura em seu entorno é fortemente afro-brasileira. O Caio (e os outros atores) fizeram um mergulho. Ele se mudou pro Capão Redondo, passou a conviver com a população da Zona Sul, conheceu trabalhadores e artistas locais.

O fato de você ter liderado o chamado “Dogma Feijoada”, manifesto para a expressão dos negros no cinema, e ter convidado um ator branco causou polêmica, certo? Como você enxerga esta questão?
O Dogma Feijoada comemora dez anos e “Bróder!” de certa forma, por ser um filme, representa uma reflexão sobre a identidade brasileira. É lógico, estou menos primário, mais profundo e porque não dizer, mais sensível. Com a maturidade vem a compreensão das contradições e relações paradoxais. Gosto da contradição, é uma ferramenta fundamental para a criação artística. Uma leitura interessante do filme é sobre o personagem Macu, interpretado pelo Caio Blat, uma referência ao Macunaíma personagem de Mario de Andrade. Por menos de um segundo, Caio/Macu e Mario/Macunaíma aparecem lado a lado na tela.

E este novo conceito, a “branquitude”, qual a proposta dele? Que tipo de discussão ele pretende instigar?
A negritude é um tema amplamente debatido em vários meios. Porém, o conceito de branquitude é ainda muito recente para nós. O “Bróder!” não se presta a concluir o que é ser branco no Brasil, mas me fez pensar: “Quem é branco no Brasil? Quem é negro?”. Isto pode parecer confuso para alguns, embora os porteiros, a polícia, os cineastas, os publicitários sabem muito bem que nós somos. Então, no filme, eu coloquei um menino branco dizendo: “Eu sou negão!” para ver o que acontecia. O resultado ficou interessante.

Vocês filmaram em um dos bairros mais violentos de São Paulo, o Capão Redondo. Quais foram as maiores dificuldades neste sentido?
Sem dúvida alguma foi mais difícil filmar no centro de São Paulo do que na periferia. Minha preocupação era com o tempo, já que o filme tinha muitas externas, fomos abençoados por Iansã e São Pedro, pois quase não choveu durante as filmagens.

Este é seu primeiro longa. Pretende continuar com longa metragem?
Faço audiovisual, dirigi alguns curtas e agora estreio no longa. Só sei fazer isso, filmar. Pretendo agora com mais folga retomar os ensaios da “Debanda” e tocar com alguns amigos.

Já tem novos projetos para o cinema depois de Bróder!?
Estou envolvido em alguns projetos de cinema. Há um ano estou conversando com Taís Araújo. Resolvemos retomar um desejo antigo de trabalhar juntos. Ela resolveu, além de atuar, também produzir (então, só ela pode falar do projeto por enquanto). É um desafio enorme e intenso, um projeto que mergulha na cultura brasileira e no que ele tem de mais contemporâneo. Como todo mundo só conhece o seu lado de atriz, não conhece o de empreendedora, será uma grande honra para mim. Além disso, estou produzindo um projeto chamado Papo de Menina, documentário sobre a beleza dentro da Fundação Casa Feminina (ex- FEBEM). .

Porque você acha que o filme foi escolhido para o Festival de Berlim?
Eu fiz um filme que eu queria ver na tela e com certeza fiz o meu melhor. A escolha deles eu não sei, esta pergunta deve ser feita aos curadores que assistem a centenas de filmes do mundo inteiro e algo no “Bróder!” chamou a atenção deles.

Como você ficou sabendo da escolha? E como reagiu?
Estava no ônibus lotado (715M -Largo da Pólvora). Dia chuvoso, transito complicado e todos os vidros fechados, saindo da Avenida Paulista e indo para o Butantã. Tocou meu celular: “Bróder! foi selecionado para o Festival de Berlim”. Chorei. Sinceramente, eu não esperava. É emocionante quando o que é sonho se torna realidade em apenas uma ligação.


Fonte: Entrevista/Perfil publicada no site Página do Cinema.

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