S. Paulo - Há um ano, precisamente no dia 07 de agosto de 2009, por volta das 22h20 de uma sexta-feira, o técnico em eletrotécnica e vigilante da USP, Januário Alves de Santana, 40 anos, começou a viver um pesadelo que o marcaria para o resto da vida: ele foi torturado por cerca de 25 minutos, por seguranças que o tomaram por suspeito, por ser negro, do roubo do próprio carro – um EcoSport - nas dependências da loja do hipermercado Carrefour, da Avenida dos Autonomistas, em Osasco.
O Inquérito criminal, conduzido pela delegada Rosângela Máximo da Silva, do 9º DP, ainda não foi concluído. Ela marcou a reconstituição do crime para a zero hora do dia 16 para 17 de agosto. A reconstituição deveria ter ocorrido no dia 27 do mês passado, porém, a delegada decidiu realizá-la em horário em que a loja esteja fechada, sem a presença de clientes para não provocar tumulto, atendendo a sugestão do perito Nicolau Constantino Demirsky, do Instituto de Criminalística.
Januário só fala sobre o caso por solicitação das autoridades policiais ou em depoimentos no Inquérito, porém, mandou dizer por seu advogado, Dojival Vieira, ao ser perguntado como se sentia ao lembrar do que passou. “É como se estivesse fazendo um ano de vida”, acrescentou.
O episódio teve repercussão nacional e internacional, nos veículos da grande mídia e nos telejornais das principais redes de TV, a partir da denúncia de Afropress e provocou uma onda de indignação em todo o país.
Memória
A agressão com motivação racial (a suspeita sobre o vigilante, segundo ele próprio, foi provocada pelo fato de ser negro e está na direção de um EcoSport), começou quando por volta das 22h20, acompanhado da mulher, Maria dos Remédios Santana, dois filhos menores, uma irmã e o cunhado, chegou ao estacionamento do hipermercado.
Poucos minutos depois de estacionar, ele foi cercado por um segurança armado que o perseguiu e o rendeu já dentro da loja para onde Januário correu para se proteger. Depois de entrar em luta corporal, o vigilante foi cercado por cerca de outros cinco seguranças que o renderam, o levaram a um corredor reservado e passaram a espancá-lo, exigindo que confessasse que estaria praticando roubos no estacionamento.
A sessão de espancamentos terminou com a chegada de uma viatura da PM, porém, o policial que atendeu a ocorrência, primeiro reforçou a suspeita, sugerindo que confessasse. “Pode confessar, você tem cara de ter pelo menos três passagens. Pode falar. Não nega. Confessa que não tem problema”, teria comentado o PM – José Pina – que comandava a viatura.
Machucado, com a prótese arrancada a socos e sangrando muito, Januário teve que dirigir o próprio carro até o Hospital Universitário da USP, onde foi socorrido. Por causa das agressões o vigilante sofreu fratura no maxilar esquerdo e passou por cirurgia.
Depois de quatro meses de negociações, o Carrefour concordou em indenizá-lo em valores que estão preservados por sigilo de cláusula contratual, além de adotar medidas visando o treinamento de pessoal e valorização da diversidade. Os funcionários da empresa de segurança – a Nacional Segurança – e fiscais da loja envolvidos no episódio, segundo o hipermercado, foram demitidos.
Responsabilidade criminal
A responsabilidade criminal dos acusados, que cabe ao Estado, porém, depende da conclusão do Inquérito, que deverá ser - quando concluída a investigação - encaminhado ao Ministério Público para que ofereça a denúncia.
O advogado de Januário, Dojival Vieira, já pediu a delegada que o caso seja enquadrado como crime de tortura previsto na Lei 9455/97, e não como lesão corporal dolosa, conforme prevê o Inquérito.
Ele acrescentou que o acordo feito com o hipermercado não tem interferência na responsabilidade penal dos envolvidos.
“O Carrefour adotou todas as providências necessárias para apuração dos fatos, bem como tomou a iniciativa de compensar Januário e seus familiares, em condições por eles consideradas plenamente satisfatórias. A empresa cumpriu a sua parte e fez o seu papel. Agora é a hora da Justiça fazer o seu, responsabilizando aqueles que atacaram de forma covarde, e sem qualquer chance de defesa, e ainda tentaram forçá-lo a confessar o roubo do seu próprio carro, tendo como motivação a discriminação racial, já que a suspeita decorreu do fato de Januário ser um negro com aparência humilde na direção de um EcoSport. Para isso é que é fundamental essa reconstituição. Confiamos na Justiça”, afirmou o advogado.
Fonte: Afropress
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