Entrar em um estabelecimento e ter a impressão de ser vigiado como alguém prestes a cometer um delito é uma sensação experimentada por grande parte da população negra no Brasil. A juíza baiana Luislinda Dias de Valois Santos, primeira magistrada negra do país, também não escapou desse tipo de constrangimento. Situações de preconceito motivaram-na a registrar a difícil realidade do afro-descendente no livro O Negro no Século XXI, que será lançado em Maceió pela Editora Juruá, em parceria com a Escola Superior de Magistratura de Alagoas (Esmal), no próximo 05 de novembro, às 20h, na IV Bienal Internacional do Livro.
Na obra, com o discernimento de quem conhece profundamente suas origens, a magistrada convida o leitor a redescobrir a história dos afro-descententes no Brasil. Como muitos brasileiros, ela sentiu na pele o peso do racismo ainda jovem quando foi “aconselhada” por um professor a parar de estudar para cozinhar feijoada na casa de brancos. Em um legítimo grito de protesto, a cada capítulo do livro, a autora pontua, de forma simples e direta, o processo histórico causador da desigualdade social e racial em nosso país. “Esse livro é, ao mesmo tempo, uma missão e um desabafo. Nasceu em um momento muito difícil de minha vida em que pude, mais uma vez, sentir na pele o preconceito, tão velado em nossa sociedade”, declara Luislinda.
Superar adversidades financeiras, formar-se em Direito aos 39 anos e, pouco depois, ser aprovada em primeiro lugar no concurso nacional para procurador do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER) não bastou para cessar a discriminação. “Fui convidada a ceder minha vaga, em Salvador, para o último colocado da seleção”, relembra a magistrada que partiu para Curitiba (PR), cidade que a acolheu por seis anos. “Nesta cidade, de maioria branca, ironicamente, nunca enfrentei preconceito como na Bahia”, compara a juíza.
De volta à terra natal, desta vez como juíza, as humilhações e preconceitos experimentados chegaram ao ápice em dois processos judiciais, nos quais foi citada injustamente. “Fui perseguida e vítima de uma crueldade que me tirou, até mesmo, a vontade de viver. Quando o processo foi arquivado foi como se estivesse ganhando minha carta de alforria”, conta a juíza, que começou a escrever o livro quando enfrentava a primeira desta batalha judicial. O que poderia ser um relato pessoal se transformou em uma biografia do povo afro-brasileiro. “Comecei a escrever um relato sobre tudo o que passei, mas depois decidi tornar esse registro impessoal, pois minha realidade não difere muito da vivida por muita gente negra neste país”, diz.
Dividido em 18 capítulos, o livro é um avocar para uma reflexão sobre o retorno que a sociedade tem dado ao povo negro, em vista de sua contribuição social, econômica e cultural, ao longo dos séculos. “Quis mostrar à sociedade que pouco mudou na vida do afro-descendente aqui no Brasil. Infelizmente, muitas pessoas têm uma percepção camuflada”, afirma. Resultado de uma ampla pesquisa, lazer, educação, cultura e esporte são outros aspectos abordados na ótica de quem enxerga e convive com o preconceito cotidianamente.
A história de superação e conquistas da magistrada baiana foi, recentemente, descrita no livro Recomeços da jornalista paulista Lina de Albuquerque, também lançado pelas Editoras Saraiva e Versar.
Sobre a autora
Baiana, 67 anos, 25 destes dedicados ao magistrado. O que poderia ter sido um fator adverso se transformou em motivação para sua realização profissional e pessoal. Aos 9 anos, Luislinda Dias de Valois Santos foi discriminada por um professor e sentenciada a “cozinhar feijoada na casa de brancos”. O ressentimento foi transformado em determinação para seguir rumo diferente daquele sugerido pelo seu “instrutor”. Formou-se em direito aos 39 anos e, pouco depois, passou em primeiro lugar no concurso nacional para procurador do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER). Apesar de todo mérito, não iniciou carreira na capital onde nasceu. Foi convidada a ceder sua vaga, em Salvador, para o último colocado da seleção. Partiu para Curitiba (PR), cidade que a acolheu por seis anos. Por lá, foi procuradora autárquica, sub-chefe e chefe da procuradoria jurídica do DNER, hoje DNIT, e Membro da Comissão Permanente de Inquéritos do DNER. Finalmente, em 1984, Luislinda Dias de Valois Santos ingressou no magistrado, conquistando o título de primeira juíza negra do Brasil. Atuando na Bahia, realizou diversos projetos em defesa do povo negro, oprimido e discriminado, conquistando respeito e credibilidade, além de vários prêmios no estado e no Brasil. Entre suas realizações estão a reativação, criação e instalação de juizados especiais dentre eles a Justiça Bairro a Bairro, o Juizado Marítimo “Baia de Todos os Santos”, o programa Justiça Escola e Cidadania e o programa Fome Zero de Justiça na Bahia, além de participação no lançamento do Relatório Nacional Brasileiro em cumprimento à CEDAW – Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – realizado no Palácio Planalto em Brasília.
Fonte: Jornalista Lídia Ramires – (82) 9972.1976/ 3035.3397 / lidiaramires@uol.com.br
A Doutora Luislinda Dias de Valois Santos personifica um exemplo de resistência e determinação. Tornou-se um modelo como ser humano e profissional.
ResponderExcluirParabéns!!!
Simone Rosário
Estudante de Direito
Doutora Luislinda Dias de Valois Santos, obrigando por mostrar a cara do negro para o mundo e extrair de uma vez por toda o preconceito onde as mascaras são nítidas complexando ainda mais a nossa raça.
ResponderExcluirNosso valor são mostrados com atitudes de coragem.
Obrigado mesmo!
Gilson Jesus dos santos (giljes1965@bol.com.br)