domingo, 15 de junho de 2008

Adeus ao Samba: Morre no Rio o cantor Jamelão, a voz da Mangueira

Morreu na madrugada deste sábado, aos 95 anos, José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, presidente de honra, baluarte e intérprete oficial da Estação Primeira de Mangueira. Ele estava internado desde a última quinta-feira na Clínica Pinheiro Machado, em Laranjeiras, e sofreu infecção generalizada (septicemia). O artista deixa esposa, filha e dois netos.

O corpo de Jamelão será velado na quadra da Mangueira, à pedido da família, com acesso ao público em geral a partir das 18h deste sábado. O enterro será neste domingo, às 11h, no Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju. A tradicional feijoada, que aconteceria nesta tarde na quadra, foi transferida para o próximo sábado, dia 21, quando será realizado um tributo à Jamelão.

Em 2005, uma isquemia levou o cantor a se afastar da avenida. Desde então, o samba da Mangueira passou a ser puxado por Luizito, que manteve a tradição de sempre fazer um tributo ao mestre antes de abrir o carnaval da verde-e-rosa na Passarela do Samba.

Mesmo com o estado de saúde debilitado, Jamelão fazia questão de estar na Sapucaí. A filha, Joceli Ferreira, foi porta-voz da penosa decisão e, na época, quando ele decidiu pelo afastamento definitivo, disse que o pai sabia que chegara a hora. Joceli pediu que apenas que nenhum puxador de samba da escola fosse mais chamado de intérprete, como o pai sempre reivindicou ser tratado.

Nos últimos dois anos a saúde do artista já estava bastante debilitada. Ele teve duas isquemias. O baluarte da Mangueira chegou a ficar internado na Santa Casa, antes de ser transferido para a clínica particular. Parentes de Jamelão chegaram a criticar a direção da escola de samba, alegando que a agremiação pretendia mandá-lo para uma unidade pública, em Saracuruna.

Confira a trajetória de um dos mestres da Música Popular Brasileira:


Jamelão nasceu em 12 de maio de 1913 no bairro carioca de São Cristóvão, e ainda mantinha o vozeirão em plena forma, o que atribuía a um dom de Deus. O criador foi pródigo em lhe conceder um talento que o colocou entre os grandes da Música Popular Brasileira, embora tanto reconhecimento não tenha lhe valido uma tranqüilidade financeira. Homenageado a torto e a direito, Jamelão ainda tinha que fazer shows para pagar aquelas continhas que perturbam nossa vida todo mês.

Ele atribuía os reveses ao fato de ter nascido pobre e, principalmente, negro. Dizia que muitas vezes foi passado para trás por causa da cor, que lhe valeu o nome artístico dado pelo apresentador de uma gafieira onde pediu para cantar na cara dura e o locutor, sem saber-lhe nome, apresentou-o como Jamelão. Há outras versões para o apelido, citadas por ele mesmo em entrevistas, e não adiantava perguntar qual era a verdadeira porque respondia com o mau humor característico que não tinha caderno para anotar tudo que fazia (uma vez lhe perguntaram porque era sempre tão sério, ele fuzilou: ''rir de que?").

A atitude era compreensível. Devia ser mesmo frustrante não ver a conta bancária acompanhar a consagração que recebia por suas interpretações, mas ele teve o auge de sua carreira numa época em que os direitos dos artistas eram completamente desrespeitados. Antes de descobrir seu caminho, Jamelão seguiu a sina dos garotos pobres, trabalhando como engraxate e vendedor de jornais, interessando-se no paralelo pelo samba, batendo uma percussão e freqüentando rodinhas de samba até que, já com algum nome no meio, com apenas 15 anos, foi levado à Mangueira pelo sambista Lauro Gradim Santos, onde começou como ritmista.

Nas rodas de samba ele cantava e também conseguia se apresentar nos cabarés que proliferaram depois do fechamento dos cassinos em 1946. Na época ele venceu um concurso de calouros e foi contratado pela rádio Continental e, depois, pela rádio Tupi. No começo dos anos 50, trabalhou como crooner da Orquestra Tabajara de Severino Araújo e se apresentou até na França. Fez sucesso no disco em gravações pela Continental de Folha Morta (Ary Barroso), Exaltação à Mangueira" (Enéias Brito e Aluísio Augusto da Costa) e "Ela disse-me assim", de Lupicínio Rodrigues. Jamelão viria a ser considerado o maior intérprete de Lupicínio, especializando-se no samba canção com suas profundas fossas amorosas. Ele gravou dois LPs dedicados à obra do compositor gaúcho, "Jamelão interpreta Lupicínio Rodrigues'' (1972) e "Recantando mágoas - A dor e eu" (1987).

Jamelão foi gradualmente se convertendo na voz da Mangueira, desde que começou a cantar os sambas enredo nos desfiles a partir da década de 50. Ele nunca aceitou ser chamado de "puxador de samba", reagia como se tivessem lhe xingado a mãe, dizendo que puxador era quem fumava maconha ou roubava carros. Ele era intérprete. E disso ninguém tinha dúvida. Muito menos ele, que batizou seu último disco de Cada vez melhor, reunindo regravações como Folha morta, ''Falsa baiana'' (Dorival Caymmi) e ''Ela disse-me assim'' Lupicinio), além de um pout-porri de sambas. O disco de um intérprete para ninguém botar defeito.

Fonte: O Globo

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