domingo, 11 de dezembro de 2011

A CONTRADIÇÃO DA FÉ


Artigo escrito por: LWDMILA CONSTANT PACHECO - mestra em Psicologia Social.




8 de dezembro, comemorado como feriado de Nossa Senhora da Conceição, também é dia do orixá Iemanjá em Alagoas. É o dia em que diversas Casas de Axé do Estado vão às praias levarem suas oferendas e fazerem suas rodas de adoração em sua homenagem. Maceió se enche das cores azul, branca e amarela, de misticismo popular, levando pessoas de outras religiões a apreciarem a tradição resistente e até devotarem pedidos a tão poderoso orixá.

Durante muito tempo, a religião de influência africana foi proibida no Brasil, principalmente durante a escravidão e até meados do fim do século 20. Alegava-se que eram manifestações demoníacas, corrompia o cristianismo, quando a preocupação estava mais ligada a perda da hegemonia religiosa e a sublevação de seus praticantes contra a escravidão e opressão. A intenção era anular tal religiosidade, mas o que sucedeu foi a releitura da religião dominante – a católica – por um viés sincrético com os orixás.

Os deuses africanos ganharam versões abrasileiradas, foram associados a santos católicos por similaridades e, conseguiram sobreviver quase ilesos durante séculos. Hoje propagandeamos um país mestiço e tolerante com as diferenças. Porém, quando essa diferença recai sobre a religião de matriz africana, ela só é de fato tolerada se vista como um folclore inofensivo. O dia 8 de dezembro, tão resistentemente construído pelos adeptos das religiões que cultuam Iemanjá em Alagoas, é alvo da tentativa de desarticulação de sua festa.

O espaço da orla marítima de Maceió usado para a festa, tem sofrido ameaça por parte de determinados segmentos religiosos que não se contentam em professar sua fé, mas têm como objetivo de salvação, livrar o mundo de influências religiosas que não as suas. A orla tem a cada dia se tornado um imenso palco de disputa perversa pela atenção dos transeuntes: Panfletos que exortam as práticas de culto a Iemanjá, trios elétricos com músicas “cristãs”, blocos de salvadores de almas e a luta contínua e covarde pela exclusividade do espaço das praias nesse dia, além de frases preconceituosas e que violentam a liberdade individual e de culto nas redes sociais.

Neste dia de uma santa católica e dia de Iemanjá em Alagoas, orixá que com sua maternidade adotou os brasileiros, vemos uma irritante demonstração de intolerância por parte de pessoas que supostamente pregam o amor e a irmandade segundo os ensinamentos de Cristo.

Solidarizar-se com o outro, não representa uma autorrenúncia, acreditar que a verdade do outro é válida, não é negar a nossa, é apenas um exercício de auto-crítica, compaixão e ensinamentos cristãos.


Fonte: Jornal Gazeta de Alagoas (08.12.11)

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