Foto: Divulgação / Blog Do Olhar Negro |
Por Daiane Souza*
O Brasil perdeu nesta terça-feira, 24 de maio, um de seus maiores líderes: Abdias do Nascimento, um dos pioneiros na luta contra a discriminação racial. Aos 97 anos, o ativista na denúncia do preconceito e na defesa dos direitos dos afrodescendentes pelo mundo não resistiu às complicações cardíacas que o levaram a uma internação no último mês, no Rio de Janeiro.
O presidente da Fundação Cultural Palmares, Eloi Ferreira de Araujo, expressa gratidão e seu profundo pesar: “estamos enlutados pelo falecimento de Abdias, mas haveremos de continuar sua luta para que o Brasil acabe definitivamente com o racismo, o preconceito e a discriminação racial, e que todos os descendentes de africanos que vivem no Brasil tenham igualdade de oportunidades para que possam acessar os bens econômicos e sociais”.
Abdias, deixa uma legião de seguidores inspirados em sua trajetória de coragem e dedicação aos direitos humanos.
POETA DA IGUALDADE – Nascido em 1914 no município de Franca, Estado de São Paulo, Abdias foi filho de Dona Josina, a doceira da cidade, e Seu Bem-Bem, músico e sapateiro. Embora de família pobre, conseguiu se diplomar em contabilidade em 1929. Aos 15 anos alistou-se no exército e foi morar na capital paulista, onde anos depois se engajou na Frente Negra Brasileira e se envolveu na luta contra a segregação racial.
Dramaturgo, poeta e pintor, atuou também como deputado federal, senador e secretário de Estado, cargo no qual desenvolveu aspectos dessa luta. Autor das obras Sortilégio, Dramas para Negros e Prólogo para Brancos e O Negro Revoltado, relatou nos livros as realidades quilombolas e levantou temas como o pensamento dos povos africanos, combate ao racismo, democracia racial e o valor dos orixás nas religiões de matriz africana.
MILITÂNCIA – Com uma trajetória marcada pelo ativismo, Abdias conseguiu importantes resultados de suas iniciativas na defesa e na inclusão dos direitos dos afrodescendentes brasileiros, principalmente, por meio de políticas públicas. Por exemplo, em 1988, Abdias tornou-se um dos responsáveis pela instituição da Comissão do Centenário da Abolição e por seu desdobramento na Fundação Cultural Palmares.
No mesmo ano, a Constituição do país passou a contemplar a natureza pluricultural e multiétnica, a prática do racismo tornou-se crime inafiançável e, também pela primeira vez, se falou no processo de demarcação das terras de quilombos.
OUTROS FEITOS – A luta do militante não se resumiu aos feitos já citados. Em 1944 fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN), entidade que patrocinou a Convenção Nacional do Negro nos anos 1945 e 1946. Na Convenção foi proposta à Assembléia Nacional Constituinte a inclusão de políticas públicas para a população afrodescendente e um dispositivo constitucional definindo a discriminação racial como crime de lesa-pátria.
Como primeiro deputado federal afro-brasileiro (1983-1987) e como senador da República (1991, 1996-1999) dedicou seus mandatos à luta contra o preconceito. Foi responsável por projetos de lei que definiam o racismo como crime e pela criação de mecanismos de ação compensatória para construir a verdadeira igualdade para os negros na sociedade brasileira.
Foi ainda nomeado primeiro titular da Secretaria Estadual de Cidadania e Direitos Humanos (1999-2000) e, em 2001, ganhou o prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) de Direitos Humanos e Cultura de Paz por seu ativismo.
O corpo de Abdias do Nascimento será velado na quinta e na sexta-feiras, 26 e 27, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. O corpo será cremado e a intenção da família é de que as cinzas sejam jogadas na Serra da Barriga, em Alagoas, onde foi fundado o Quilombo dos Palmares.
Tributo
Militantes do Movimento Negro e admiradores manifestaram seu pesar e prestaram homenagens pela morte da liderança:
“Ao lamentar sua perda, transmito à família de Abdias Nascimento meu sentimento de sincera solidariedade. Estou segura de que seu legado continuará a inspirar a todos nós, brasileiros, a perseverar no caminho da igualdade e da justiça.”, Dilma Rousseff, presidenta da República.
“Nas mãos de Abdias do Nascimento, a bandeira de defesa da igualdade ganhou o caráter de luta do interesse de toda a Humanidade. Sem esquecer, ainda, que, por mais política que fosse, ele não deixou jamais de ancorá-la profundamente na cultura”, Ana de Hollanda, Ministra de Estado da Cultura.
“Ele é nosso Zumbi, nosso líder. Foi uma honra ter vivido esse tempo de heróis e ter convivido com esse bravo ser humano. O Brasil e em especial nós – afro-brasileiros –perdemos um dos mais importantes nomes da nossa história”, Benedita da Silva (PT-RJ)
“Um grande brasileiro que teve ao longo de sua vida dedicação e compromisso com a luta em defesa do povo negro, e com a história social e política dos negros. Que não calou no período da ditadura militar.” Senador João Pedro (PT-AM)
“Um gigante na luta contra o racismo” Senadora Marta Suplicy (PT-SP)
“Abdias é um ícone de luta e deixou uma herança de conquistas para nós, povo negro! À sua memória, honramos o caminho de guerra e conquistas que nos deixou com seu ensinamento de combatividade e resistência, para nós que militamos por um país mais justo e igual”, Luiz Alberto, deputado federal (PT/BA)
“Morreu Abdias do Nascimento, um homem que foi tantas coisas que é difícil enumerar e, em todas elas, foi um só: um brasileiro negro, que amou a arte, o conhecimento e as pessoas”, Brizola Neto, deputado federal (PDT/RJ)
“Muito triste com o falecimento do saudoso Abdias do Nascimento! Sua luta a favor da equidade de direitos entre raças é algo histórico! Nós, afrodescendentes, perdemos um grande líder, uma grande referência. O Brasil perde um ser humano fantástico! Descanse em paz, mestre!”, Netinho de Paula, vereador.
“Adeus Abdias Nascimento, Valeu por tudo!”, Jorge Washington, ator do Bando de Teatro Olodum
“O companheiro Abdias da Silva estará sempre presente entre nós, que seguindo seu exemplo de vida, continuaremos a lutar por um mundo sem racismo e contra todas as formas de exclusão, opressão e dominação, como nos ensinou esse mestre”, Flávio Jorge Rodrigues da Silva, Diretor da Fundação Perseu Abramo, militante da SOWETO – Organização Negra, e da direção da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN).
“A trajetória deste incansável combatente contra o preconceito racial vai ficar marcada para sempre como fonte de inspiração inesgotável a advogados e outros militantes da área de direitos humanos, além de ser um registro indelével na história do Brasil”, Eduardo Pereira da Silva, presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB-SP.
“Ele nos deixa a responsabilidade dessa luta ser levada adiante. Como todos os grupos de teatro negro, somos herdeiros do Teatro Experimental do Negro. A presença dele agora está em nós”, Marcio Meirelles, diretor do Bando de Teatro Olodum
“Ele mobilizou a mocidade negra, é um exemplo de esforço e de resistência. Foi a figura essencial do movimento”, Mãe Stella de Oxossi, ialorixá.
“Morreu o nosso grande professor, liderança, referência. Ficamos muito mais fortalecidos quando o conhecemos”, Antônio Carlos dos Santos Vovô, presidente do Ilê Aiyê.
“É incontestável que Abdias Nascimento tenha exercido papel fundamental na garantia dos direitos à população negra. A sua morte é uma perda para toda a sociedade, mas o seu exemplo e as suas conquistas serão para sempre reconhecidos”, Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro.
“Ele foi um incansável defensor dos direitos humanos em geral. Deixou um legado fantástico. Considero um dos homens mais completos a nível de consciência e firmeza no servir ao Brasil”, frei David, da ONG Educafro.
“Ele era inspiração para todos nós. Guerreiro que tem um legado político cultural e educacional inestimável”, Lázaro Ramos, ator.(*) Colaborou: Denise Porfírio e Maíra Valério.
Fonte: Fundação Cultural Palmares
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos sua mensagem!
Axé!