Comissão de Minorias da OAB e Ministério Público acompanham casos de intolerância
Por: Géssika Costa (Jornalista - Colaboração para o site Cada Minuto)
Mais de cem anos após o episódio que ficou conhecido como Quebra de
Xangô, em 1912, o terror vivido por Tia Marcelina e outros praticantes
das religiões de matriz africana, em Alagoas, parece não ter fim.
Mesmo com todo respaldo garantido pela Constituição Federal, na terra
da resistência, inúmeros são os casos de preconceito contra os
religiosos do candomblé e da umbanda – dois dos principais cultos
afro-brasileiros.
A ialorixá alagoana Mãe Vera, de 58 anos, e que há mais de 20 fundou
o terreiro Abaçá de Angola Oya Bale – segundo ela - na linguagem
africana iourubá significa casa aberta para todos, conta que no
último sábado (05) passou por um episódio de preconceito dentro do
ônibus que estava.
“Entrei no coletivo e as pessoas já me olharam diferente. Era como se
eu fosse um carnaval, algo estranho ou demoníaco, o transporte estava
ficando lotado e o banco onde eu estava tinha vaga para mais uma pessoa,
mas demorou para alguém sentar do meu lado”, lamenta.
A religiosa, que faz de sua vida uma luta contra a intolerância
religiosa e em favor da divulgação da contribuição dos terreiros para a
cultura brasileira, desenvolve um trabalho social através do ensino do
maracatu com jovens e crianças onde mora, no bairro da Cidade
Universitária, parte alta de Maceió. Ela diz que já se acostumou com os olhares das pessoas nas ruas e em
todos os lugares por onde passa, principalmente quando está vestida com
o axó – roupa que as sacerdotisas e os religiosos de matriz africana
costumam usar.
“Ao longo da minha vida eu já passei por muita coisa. A gente sofre.
Sofre muito e é na pele. Tudo que é da nossa religião ou da cultura
negra parece não prestar para a maioria, mas a gente luta e não pretende
abandonar por nada. Todo dia temos um Quebra”, afirma.
Para o presidente da Federação de Zeladores de Culto Afro, Paulo
Silva, houve um grande avanço nos últimos anos, mas a realidade da
intolerância ainda é rotina para muitos.
“Eu já sofri muito preconceito, mas ele é bem distante, as pessoas
tentam disfarçar porque agora sabem que tal prática é crime, dá cadeia e
tem muita repercussão na sociedade”, acredita.
Ainda de acordo com Silva, a Federação trabalha apoiando o pai de
santo e a mãe de santo do interior, mapeando e acompanhando os casos de
preconceito.
“Hoje as pessoas mostram respeito a mim, mas há muitos relatos no
interior, principalmente, nesse sentido. Lá, devido ao grau de instrução
menor de muitos ialorixás, o preconceito é maior”, diz.
Em agosto deste ano, mãe de santo Neide Oyá D´Oxum, dirigente do
Grupo União Espírita Santa Bárbara (Guesb), localizado na capital
alagoana, foi vítima de intolerância religiosa. Ela foi xingada pela
ex-esposa do ator Heri Casteli, a jornalista Juliana Despírito, após ele
postar em seu Instagram uma foto da filha vestida em trajes da religião
africana, no colo da mãe Neide.
Comissão de Minorias
Apesar de não possuir dados atualizados sobre casos de intolerância
religiosa no estado, nesses últimos anos, a Ordem dos Advogados do
Brasil – OAB- Seccional Alagoas, por meio da Comissão de Minorias, tem
trabalhado com políticas de enfrentamento contra o preconceito de cunho
religioso.
De acordo com Alberto Jorge, presidente da Comissão, iniciativas como
a OAB Escola, o próprio apoio jurídico e o acompanhamento dos casos de
intolerância religiosa junto com a 61ª Promotoria da Capital têm
contribuído para a diminuição do preconceito.
“Nós realizamos várias iniciativas. Estamos sempre tentando aproximar
a sociedade para levar discussões importantes, mas a discriminação
infelizmente ainda existe”, diz.
Para o historiador Zezito Araújo, existe uma reprodução do
preconceito que começa ainda na escola. “Não há o cumprimento da
legislação na grade curricular tanto nos colégios particulares quanto
nos públicos no que diz respeito ao ensino sobre a África. O que só
reforça a marginalização da nossa cultura, incluindo a religião”,
ressalta.
Intolerância
Dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
revelam que uma denúncia de intolerância religiosa é registrada a cada
três dias. A maioria destas denúncias é feita por pessoas da religião de
matriz africana (35%), seguida da evangélica (27%), espírita (13%),
católica (10%), por ateus (4%), pessoas da religião judaica (3%) e da
islâmica (2%).
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