CARTA DO RIO DE JANEIRO
Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Miséria pela ótica do
Movimento Negro
Reunidos no seminário “Desenvolvimento
Sustentável e Erradicação da Pobreza pela ótica do Movimento Negro”,
preparatório para a Conferência Rio + 20, realizado nos dias 28 e 29 de abril
no Rio de Janeiro, nós do Movimento Negro brasileiro declaramos que envidaremos
todos os esforços necessários em defesa do povo negro, dos povos indígenas e dos
povos vítimas do racismo, discriminação racial, xenofobia e diversas formas de opressão
e intolerâncias.
Uma síntese dos indicadores
sociais produzidos por diversas agências de pesquisas como a Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), Organização das Nações Unidas (ONU) dentre outras, nos permite
afirmar que nos últimos 10 anos, quase 22 milhões de pessoas saíram da situação
de pobreza extrema, graças aos programas sociais do governo. Hoje, no Brasil,
20% das famílias vivem de programas de transferência de renda através dos
recursos públicos como aposentadorias, “bolsa família” e assistência social.
No entanto, cabe
considerar que a população brasileira extremamente pobre, ou seja, aquela que sobrevive com menos de um
dólar por dia, é estimada em 16 milhões de habitantes, dos quais 9,6 milhões ou
59% estão concentrados no Nordeste. Do total de brasileiros residentes no
campo, um em cada quatro se encontra em extrema pobreza (4,1 milhões de pessoas
ou 25,5%). 51% têm até 19 anos de idade. 53% dos domicílios não estão ligados a
rede geral de esgoto pluvial ou fossa séptica. 48% dos domicílios rurais em
extrema pobreza não estão ligados a rede geral de distribuição de água e não
tem poço ou nascente na propriedade. 71% são negros (pretos e pardos). 26% dos
que tem 15 anos ou mais, ou seja, 4 milhões são analfabetos.
A realidade vivida pelas comunidades
quilombolas no Brasil e pelas comunidades religiosas de matriz africanas e pela
maioria negra, não parece ser muito diferente da época do Brasil escravocrata.
É diante desse quadro, que o Movimento Negro brasileiro realizou o Seminário “Desenvolvimento
Sustentável e Erradicação da Pobreza”, nos dias 28 e 29 de abril, com o
objetivo de preparar a militância negra para participar da Cúpula dos Povos, na
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20,
que será realizada em junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro.
Em quase todos os indicadores
econômicos e sociais, observamos a ampliação do abismo social entre negros e
brancos com relação a emprego, renda, escolaridade, acesso à justiça, poder. O
drama social acomete com maior gravidade a população negra, que habita as
favelas e periferias desestruturadas, torna-se presa fácil da criminalidade,
assiste seus jovens serem mortos pela violência urbana e nega oportunidades de
mobilidade social.
Cerca de 50 mil
brasileiros são assassinados por ano. Contudo, essa violência se distribuiu de
forma desigual: as vítimas são, sobretudo, jovens negros do sexo masculino,
entre 15 e 24 anos. O Índice de Homicídio na Adolescência (IHA) evidencia que a
probabilidade de ser vítima de homicídio é mais do dobro para os negros em
comparação com os brancos.
O capitalismo é o grande responsável pelas
crises econômica, alimentar e ambiental. O modelo de produção e consumo
capitalista é incompatível com a preservação ambiental, como o uso coletivo das
riquezas naturais e com a justiça social.
Os verdadeiros responsáveis pela devastação
das florestas, pela poluição dos rios, mares, pela degradação dos biomas e
insustentabilidade urbana em todo planeta são os países imperialistas e
colonialistas, por isso afirmamos que os nossos povos não são responsáveis por
tamanha espoliação dos seres humanos e da natureza. Não apoiamos o principio da
responsabilidade comum, pois cabe aos países ricos o principal ônus da
preservação. São nos países pobres e em desenvolvimento que encontramos a
maioria dos povos vítimas da degradação ambiental, vítimas do racismo
ambiental.
O Movimento Negro brasileiro compreende os
quilombos como verdadeiros territórios de resguardo da biodiversidade, como
verdadeiras escolas de diversidade cultural. No diálogo do Movimento Negro com
povos e comunidades tradicionais de matriz africana, fica cada vez mais fortalecida
de a idéia de que nós não somos responsáveis pela crise ecológica, pela pré-agonia
dos nossos ecossistemas como a Amazônia e o Cerrado ou que restou da nossa Mata
Atlântica.
Muito pelo contrário, o nosso ponto de
partida é a cosmovisão de mundo negro-africana que tanto para as comunidades quilombolas
quanto para os povos e comunidades tradicionais de matriz africana, a terra é
concebida como território de reprodução
cultural vivo, e portanto sagrado, ao
contrario da lógica dos tecnocratas
eurocêntricos , que vê a natureza apenas como fator de produção e lucro,
matéria prima morta e os seres humanos
como mercadoria e objetos de descarte.
É com a perspectiva de perceber a
biodiversidade como um direito que o Movimento o Negro buscará ampliar o
debate no campo da ecologia política e dos direitos étnico raciais, onde
diversas temáticas como o desenvolvimento sustentável, racismo ambiental,
justiça e ética ambiental se interpenetram.
No centro das nossas reflexões impõe-se a
critica a denominada “economia verde”,
cujo eixo principal tem sido a mercantilização da natureza por parte do
Capital. A adoção de políticas como: sequestro de carbono, privatizações das
águas, do subsolo, fazem parte das estratégias de venda de bem público, que são
os elementos da natureza, como “serviços” que são passíveis de privatização.
Consideramos que a “economia verde” é uma
falsa saída para a crise ambiental e ecológica, porque os países ricos para não
abrirem mão de sua qualidade de vida e consumo propõe implicitamente um desenvolvimento sustentável aos pobres,
que na prática transforma o principio ecológico da sustentabilidade em
merchandising, e transforma os recursos da natureza e os direitos dos povos em
mercadorias, e assim mantém a desigualdade na posse e uso das riquezas naturais.
O Movimento Negro não concorda com isso. Lembremo-nos
da África do Sul nos tempos do Apartheid onde a água era dos brancos e não um
bem público. Portanto, vamos
intensificar o diálogo com a nossa população para a importância da Cúpula dos
Povos na Rio + 20 e a articulação com os povos indígenas e os movimentos
sociais, buscando a construção de pontes e pontos de convergência.
Exigimos que o Estado brasileiro utilize sua
influência política na Conferência Rio + 20 em defesa dos povos e nações pobres
e em desenvolvimento, que defenda sua população vítima da ganância da elite
capitalista brasileira e dos conflitos ambientais, destacadamente, as
comunidades quilombolas, as comunidades religiosas de matriz africana, as
comunidades tradicionais e das periferias dos grandes centros urbanos.
Enquanto militantes e cidadãos, não podemos,
e não vamos permitir que o racismo nos submeta a violência simbólica e física,
e que inclusive destrua o nosso legado
ancestral e espiritual africano. Esse legado é libertário, ecológico e sagrado.
A nossa emancipação é a tomada da consciência negra, dos nossos direitos
enquanto sujeitos de nossa história, cuidadores do planeta Terra.
Rio
de Janeiro, 29 de abril de 2012.
MNU – Movimento Negro Unificado
CONEN – Coordenação Nacional de Entidades
Negras
CENARAB – Centro Nacional de Africanidade e
Resistência Afro-Brasileira
AMNB - Articulação de Mulheres Negras
Brasileiras
FÓRUM NACIONAL DE MULHERES NEGRAS
CEAP – Centro de Articulação de Populações
marginalizadas – RJ
ENEGRECER – Coletivo Nacional de Juventude
Negra
UNEGRO – União de Negros pela Igualdade.
CONAQ- Coordenação Nacional de Quilombos
CNAB - Congresso Nacional Afro-Brasileiro
CIRCULO PALMARINO
REDE AMAZÔNIA NEGRA
ANCEABRA – Associação Nacional de Empresários
Afro Brasileiros
CONAMI - Conselho Nacional de Mulheres
Indígenas
APNS - Agentes de Pastoral Negro do Brasil
COMISSÃO NACIONAL DE JORNALISTAS PELA IGUALDADE RACIAL (CONAJIRA/FENAJ)
SOWETO – Organização Negra - SP
SECRETARIA NACIONAL DE COMBATE AO RACISMO DA
CUT
INTECAB – Instituto da Tradição e Cultura
Afro-Brasileira
MONER
OFARERE MOVIMENTO AFRORELIGIOSO
Omokorins do Ilê de Oxaguian - MG
IPAC - Incubadora Afro Brasileira – RJ
AFRO BRASIL
CEDINE – Conselho Estadual de Direitos do
Negro - RJ
INSTITUTO DO NEGRO PADRE BATISTA
ASCEB
MAMATERRA
BAZAFRO
CRIAR
REDE ALIMENTAÇÃO ECOSOL – BAHIA
CONAM NACÃO BLACK
GAICUNE - RJ
TJ NEGRO
COJIRA – RIO
NEGRA SIM
FENAFAL
ASHOGUN
NUCLEO DE COMUNIDADES NEGRAS DE OSACO
CEN - COLETIVO DE ENTIDADES NEGRAS
IGERE – MG
DANDARA MULHERES DO CERRADO
SINTERGIA – RJ
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