quarta-feira, 9 de setembro de 2009

ARTIGO: Leituras de Claudia - Antes tarde...

Por: Ligia Martins de Almeida em (08/09/2009)

Elisa Lucinda, atriz, cantora e poetisa, definiu muito bem a presença de uma mulher negra na capa de Claudia: "É ótimo ter a primeira heroína negra, Tais Araújo, na novela das 9. Seria mais maravilhoso ainda se não fosse notícia. O fato de ser notícia revela o nosso estágio no combate ao racismo: ainda estamos engatinhando."

A revista Claudia, que por mais de 40 anos apresentou apenas mulheres brancas em suas capas, diz: "Racismo é o fim". Por isso, a atriz e jornalista Tais Araújo – a nova protagonista da novela das 9 da Globo – teve direito à capa da revista, perfil e título de musa inspiradora na causa do momento da revista: a luta contra o racismo.

O olho da matéria, "A musa da igualdade", diz: "A partir deste mês, quando estréia a novela global Viver a Vida, Tais Araújo tem nas mãos uma conquista enorme e uma responsabilidade idem. A atriz é a primeira negra a protagonizar uma trama das 9 e quer que sua personagem entre para a história da TV brasileira e da luta contra o racismo."

Como em todos os perfis da revista, a atriz fala do seu dia-a-dia, da alimentação, cuidados com a beleza, de amor. E até de preconceito: "A vida inteira freqüentei colégios onde só tinha branco. De cara, deu para entender como funcionava o país. Olhava à minha volta e não conseguia me identificar." Fã de Nelson Mandela e de Barack Obama, Tais diz o que acha de ser protagonista da novela: "É um passo importante que vai melhorar a minha vida, a dos meus filhos e a de todos os negros. Num país preconceituoso como o nosso, não há como negar que meu trabalho tem uma função social."

Políticas públicas afirmativas

O "manifesto" de Claudia contra o racismo está nas páginas seguintes ao perfil de Tais: quatro páginas com fotos-legendas de celebridades falando contra racismo. Na abertura, a ginasta gaúcha Diane dos Santos declara que "racismo é uma estupidez que se aprende em casa". Do presidente americano Barack Obama, é reproduzida uma declaração: "Sou capaz de relatar a ladainha usual de pequenos insultos que me foram direcionados ao longo dos meus 45 anos... Conheço o gosto amargo da raiva ao engoli-la em seco".

Mas só Elisa Lucinda denunciou que o simples fato de uma mulher negra na capa de Claudia ser notícia já caracteriza racismo.

No box que fecha o "manifesto", a revista explica a origem do racismo e conclui citando o antropólogo Kabengele Munanga, professor da USP: "Apesar do avanço, leis não substituem as políticas públicas afirmativas e macrossociais. Uma prova: a média salarial dos negros é de 654 reais; a dos brancos, 1.275 reais."

Falar contra preconceito é fácil

A revista Claudia, como parte de seu manifesto contra o racismo, bem que poderia ter incluído a análise de Edna de Mello Silva, doutora em comunicações, que defendeu tese sobre a imprensa negra no Brasil:

"Cerca de 44% da população brasileira é formada por negros e mestiços e, mesmo tendo grande influência na cultura nacional, sua participação social, econômica e política ainda é menor do que a de outras etnias. A grande maioria dos negros brasileiros possui baixa renda e enfrenta o preconceito no mercado de trabalho, convive com a perseguição policial, é explorada com baixos salários e faz parte do acervo de piadas em qualquer círculo social. A imprensa sempre desempenhou um papel importante para o negro brasileiro. Embora os grandes veículos tenham ajudado a cultivar o apartheid brasileiro, dando mais espaço ao negro criminoso e marginalizado."

E, se o manifesto é apenas o começo de um trabalho, é de se esperar, nas próximas edições da revista, novas matérias mostrando a situação das maiores vítimas do preconceito de raça ou cor: a grande porcentagem de mulheres negras que sustentam a família com seu salário de doméstica, que são vítimas de um mau atendimento da saúde pública e que, por não terem conseguido fazer carreira como cantora, atriz ou modelo, dificilmente terão espaço nas páginas de uma revista para público classe A.

Falar contra o preconceito tendo como musa uma mulher linda, uma apresentadora de TV bem-sucedida como Oprah Winfrey, ou presidente do país para poderoso do mundo, é fácil. Vamos ver se depois da capa de Tais, Claudia e outras revistas femininas finalmente descobrem as mulheres negras. E não apenas as que são sucesso na novela das 9. Não podemos esquecer que a própria Tais já foi protagonista de outra novela da Globo (em 2004) e nem por isso virou capa de Claudia. Ou será que era preciso, antes, que os americanos elegessem um presidente e que a mulher dele virasse capa de Vogue, nos Estados Unidos, para que as revistas brasileiras se sentirem liberadas a fazer o mesmo?


Fonte: Observatório da Imprensa
www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=554IMQ003

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