domingo, 9 de agosto de 2009

Com quantas cervejas se desfaz o racismo?



Por Ana Claudia Mielki(*)

A “cervejada dos brigões”, como alguns veículos de comunicação denominaram o encontro promovido pelo presidente Barack Obama entre o policial e o professor preso ao tentar entrar na sua própria casa na última semana, na cidade de Cambridge, Massachussets, foi realizada nesta quinta-feira, dia 30.

No dia 16 de julho, o professor de Havard Henry Louis Gates Jr. foi preso, segundo informações que circularam nos jornais, dentro da própria residência, depois que uma vizinha, ao vê-lo tentando forçar a porta da casa, chamou a polícia. Gates teria voltado de uma viagem de uma semana à China e teria encontrado dificuldades para entrar em sua casa. Gates, além de ser um importante professor de Havard, apresenta uma “aparentemente sem importância” peculiaridade: é negro.

Os argumentos dados pela polícia foram inúmeros, inclusive de que a prisão teria sido ocasionada porque o professor estaria fazendo “excesso de barulho e bagunça”. Mas nenhum dos argumentos foi contundente o suficiente para convencer os norte-americanos de que não houve crime de racismo. Aos poucos, a notícia foi criando uma sensação de desconforto, e não por acaso, a repercussão acabou respingando no presidente Barack Obama. Em todos os lugares em que esteve presente na última semana, Obama teve que pronunciar alguma resposta em relação ao episódio.

A forma como o presidente Obama “cuidou” do fato levanta algumas questões importantes. Primeiro ele teria dito à imprensa que a ação da polícia foi estúpida e que os afroamericanos e latinos são parados pela polícia de forma desproporcional. Depois, após uma repercussão negativa de suas declarações – amigos do sargento James Crowley, responsável pela abordagem, e boa parte da corporação policial criticaram as declarações do presidente – Obama recua dizendo que “mediu mal” as palavras e toma a decisão de convidar os envolvidos para uma “cerveja conciliadora” na Casa Branca.

Ao que parece, a única polêmica durante o encontro, foi sobre a escolha da cerveja, se seria ela, norte-americana, belgo-brasileira ou inglesa. Sobre o racismo, nada além de um ou outro “tapinha nas costas”. E não poderia ser diferente, já que o objetivo declarado por Obama para tal encontro era mesmo o de por fim à polêmica acerca da existência ou não de uma atitude racista na ação do policial. O fato deixou de ser um incidente de cunho racial para ser tratado como um pequeno desentendimento individual. O encontro, neste caso, funcionou como uma conversa para “acalmar os ânimos” de dois sujeitos que se “alteraram”.

Em se tratando de um presidente negro, que eleito com forte apoio do eleitorado negro, e que propunha sempre um discurso de mudança, causa estranhamento o fato de que o presidente Barack Obama tenha levado em conta, mais a repercussão negativa de suas declarações na corporação policial, e menos a oportunidade de tornar o incidente um debate franco e construtivo, por exemplo, sobre a presença maciça de negros nas prisões norte-americanas.
Conforme relatório da organização Pew Center divulgado em 2009, existem nas prisões norte-americanas 1 branco preso para cada 11 negros presos, sendo que a população geral é em sua maioria - 70,1% - de brancos, o que comprova, segundo o relatório, a existência de racismo no sistema penitenciário.

Ao que parece, Obama segue sua estratégia, previsível desde sua campanha em 2008, de manter o debate sobre o tratamento diferenciado dos negros, tão presente quanto for capaz de elegê-lo, porém tão ausente tanto quanto for sua capacidade de constrangê-lo. Em outras palavras, o presidente norte-americano, não parece mesmo estar disposto a enfiar a “mão na cumbuca” do racismo, prefere o debate da conciliação, ou melhor, o debate da “não-raça”, da “não-etnia”, da “não-diferença”.

Felizmente, as diferenças existem e estão aí, e aprender a conviver com elas, definitivamente, não passa por ignorá-las ou encobertá-las num falso discurso conciliatório. Ao contrário, depende exclusivamente de torná-las públicas, de discuti-las e de mostrá-las, e que essa condição de estar manifesta enquanto diferença seja intransigentemente resguardada pelos direitos historicamente constituídos.

*Jornalista, mestranda em Ciências da Comunicação na ECA/USP
Fonte: Jornal Irohín

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