quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Criada há 20 anos, lei que criminaliza racismo é ignorada, dizem especialistas

Lei tipifica racismo como crime e pune com prisão de até cinco anos. Maioria dos casos é classificada como injúria, que dá prisão de 6 meses.



Apesar de vigorar há 20 anos, a Lei 7.716/1989, conhecida como Lei Caó, que classifica o racismo como crime inafiançável, punível com prisão de até cinco anos e multa, é pouco aplicada, afirmaram especialistas consultados pelo G1.

O tema preconceito racial voltou à tona nesta semana após o caso de um vigia, que disse ter apanhado dos seguranças do estacionamento de um supermercado, em Osasco, na Grande São Paulo, depois de ter sido confundido com um ladrão. O segurança achou que o técnico em eletrônica Januário Alves de Santana queria roubar um carro EcoSport, que era do próprio Januário.

Segundo especialistas, a maior parte dos casos de discriminação racial é tipificada pelo artigo 140 do Código Penal, como injúria, que prevê punição mais branda: de um a seis meses de prisão e multa.

Não há um levantamento oficial sobre as punições pela lei, mas, segundo o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, são poucos os casos enquadrados pela Lei Caó.

Para o presidente da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da Ordem dos Advogados de Brasil, Marco Antônio Zito Alvarenga, muitos policiais, promotores e juízes consideram que a pena para crime de racismo é mais alta do que o delito.

"Há um grau de dificuldade em tipificar o crime de racismo pelas autoridades policiais, por parte de alguns integrantes do Ministério Público e pela magistratura. Porque é um crime que se entende que a pena é alta pelo delito e que suas repercussões podem ser excessivas para quem cometeu. Então, muitas vezes, se entende por tipificar como delito de injúria", diz Alvarenga.

Considerando o caso de Osasco, o presidente da comissão do negro da OAB afirma. "Ali para mim foi racismo e, na verdade, acho que os policiais que compareceram deveriam lavrar o auto de prisão em flagrante."

Para ele, o preconceito racial é uma questão cultural. "O Brasil, na verdade, é um país racista e não está preparado para ver o negro em uma situação boa. Seja para andar em carro bom ou ter um cargo de destaque. O Brasil não assimilou que o negro luta pela sua condição."

O ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, aponta a falta de qualificação dos envolvidos nos processos investigativos e judiciais como principal fator para baixa utilização da lei.

"O que ocorre é que o agente, o funcionário de segurança, quando faz o registro da ocorrência, ele acaba recorrendo ao ato de injúria, quando na verdade a qualificação como racismo tem uma penalidade mais dura. Então o que falta, a meu ver, é uma qualificação dos agentes públicos para tratar de atos de racismo." Para o ministro, isso "estimula" casos de preconceito.

Presidente do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de São Paulo, Elisa Lucas Rodrigues avalia que a lei não é utilizada pela falta de divulgação. "A lei é eficaz, existe sim. Falta é divulgação maior da lei, aos advogados e delegados de polícia, que geralmente colocam como injúria."

Elisa defende uma reformulação na Lei Caó. " Precisaria ser reformulada. Como vai punir, por exemplo, um médico que acha que não discriminou o paciente? O correto seria rediscutir a lei entrando por um detalhamento grande [sobre quais atos caracterizam racismo]."


Ajuste de conduta

A promotora Déborah Kelly Affonso afirmou que o Ministério Público do estado de São Paulo não lida com a discriminação racial como crime. Esses casos, segundo ela, são repassados para a Polícia.

Na esfera civil, no entanto, a Promotoria já firmou três acordos neste ano para inibir o preconceito racial. Um deles foi com a organização do evento de moda São Paulo Fashion Week, garantindo espaço para modelos negras.


Trabalho

No ambiente de trabalho a discriminação racial é comum, segundo o Ministério Público do Trabalho. A procuradora Valdirene Silva de Assis, vice-coordenadora nacional de combate à discriminação do órgão, afirmou que a grande dificuldade para os casos seguirem em frente na Justiça trabalhista é a falta de denúncias."

As denúncias não são muitas, mas isso não significa que são poucos os casos que efetivamente ocorrem. As pessoas têm [vivem] momento tão sofrido, de dor, que não desejam denunciar para não se expor."


Como denunciar

Quem for vítima de discriminação racial, de acordo com os especialistas consultados pelo G1, deve procurar uma delegacia para registrar um boletim de ocorrência.

Em seguida, pode procurar um advogado ou defensor público para dar andamento em um processo judicial.

No caso de uma discriminação genérica contra a raça não atingir diretamente uma pessoa, o caminho é procurar o Ministério Público do estado. Se ocorrer no ambiente de trabalho, o Ministério Público do Trabalho.
Fonte: G1

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