domingo, 15 de maio de 2011

Suplício de uma heroína negra

Por: Gerônimo Vicente (*)
geronimovicente@ibest.com.br

Estatura baixa, cabelo pixaim, testa pequena, sobrancelhas finas, olhos grandes na flor do rosto, nariz chato, boca ordinária com lábios grossos, todos os dentes na boca, rosto cheio de cicatrizes que se estendiam pelos peitos e ombros, 17 anos de idade e avaliada em 140 mil réis. Esses são os traços característicos de uma heroína esquecida da história oficial sobre a Emancipação Política de Alagoas: Rosa do Gentio da Costa.

A desconhecida escrava foi encontrada vagando pelas ruas da comarca, pelos súditos do ferrenho ouvidor Antônio Batalha, responsabilizado pelo trucidamento de centenas de opositores ao regime monárquico que chegaram a conquistar parte da capitania de Pernambuco e incentivar a instalação da República.

Rosa do Gentio da Costa foi furtada por um soldado revoltoso e participante de um grupo de revolucionários saqueadores de propriedades rurais. Embora, tenha sido emancipada em 16 de setembro de 1817 por D. João IV, a comarca somente mereceu o nome de Estado, depois que todos os revolucionários foram encarcerados, esquartejados e queimados em praças públicas pelos seguidores monárquicos. Grande parte dos negros apoiava o movimento republicano.

Ao ser presa pelo ouvidor Antonio Batalha, que hoje tem seu nome em uma das ruas de Maceió, em vez de optar pela execução sumária, o sanguinário resolveu promover sessões de torturas contra a adolescente, por meio de ferro em brasas, fome, acoites, sal sobre as feridas abertas. Tudo isto com a finalidade de identificar o nome do senhor dono da escrava. Diante da negativa e do estoicismo da negra, o ouvidor optou por um chamamento judicial.A escrava foi ouvida em público pelo juiz ordinário José de Sá Peixoto.Confirmou que foi furtada pelos rebeldes, mas caiu em contradições ao apontar diversos nomes como sendo o dono dela, ato interpretado pelo governo, como uma recusa em apontar nomes de seu proprietário e do soldado sequestrador.

No dia 25 de outubro de 1817, o porteiro da audiência Albino da Fonseca Telles, fixou durante 20 dias, cartazes pela comarca de Maceió na tentativa de encontrar o senhor da escrava, porém não obteve êxito. Embora Rosa do Gentio valesse uma fortuna à época, o desaparecimento dela não foi reclamado. A Ouvidoria suspeitou de que o dono seria aliado dos revoltosos e fixou o valor das custas do auto em 17 mil 604 réis que não foi pago. No dia 27 de novembro de 1817, Rosa do Gentio foi a julgamento pelas mãos de Ouvidor Batalha, depois de resistir a todos os suplícios físicos e morais. Foi condenada à morte.

A história de Alagoas não faz menção a este caso de heroísmo que encontrei em um dos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico, por intermédio de um discurso do escritor Amphilófio de Mello, o famoso Jayme D’Altavilla, em 16 de setembro de 1935, data em que Alagoas comemorava 118 anos de emancipação.No documento, Altavilla questiona o termo “traidores” aplicados à época aos republicanos e intitula Rosa do Gentio da Costa como uma heroína digna de ser companheira de Zumbi dos Palmares.

(*) Jornalista e Integrante da Cojira-AL

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