segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O silêncio conveniente em torno da polêmica do Oscar


 
Por: Luiz Valerio P. Trindade

 

“A morte de cada homem diminui-me, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.” (John Donne, 1572 – 1631)



Inicio este artigo com a citação em destaque porque a considero pertinente e apropriada para ilustrar simbolicamente a ideia de que o “sino” que toca lá toca aqui também e que determinados fatos e acontecimentos ocorridos em outros territórios também são capazes de nos afetar, mesmo que na superfície possam parecer que não.

Diante disso, a crítica que faço a partir deste momento é com relação aos veículos de comunicação líderes do Brasil (sobretudo as principais revistas semanais de notícias e os jornais diários de grande circulação) pela tímida e/ou quase nula cobertura dada em torno do debate recente nos EUA envolvendo a total ausência de diversidade étnica, pelo segundo ano consecutivo, nas principais categorias da maior premiação do cinema mundial (ou seja, o Oscar). Dá-se as costas para o assunto porque, muito convenientemente, o tema é encarado como sendo algo restrito à realidade norte-americana. Ou seja, isso não nos diz respeito. Contudo, avalio que não é bem assim.

Pode-se argumentar perfeitamente que, tecnicamente falando, o Oscar não é a única e nem tampouco a mais importante premiação cinematográfica do mundo já que existem outras igualmente de elevado prestígio e tradição como, por exemplo, Festival de Cannes, Festival de Berlim, BAFTA, Globo de Ouro, entre alguns outros. No entanto, sem entrar no mérito da profunda análise crítica cinematográfica de cada uma destas premiações, considero que dois fatos são absolutamente inegáveis: em primeiro lugar, a enorme visibilidade global conferida por esta premiação e, em segundo lugar, o grande poder de alavancagem comercial dos filmes laureados com o Oscar e bem como na carreira dos artistas e diretores contemplados com a estatueta são inigualáveis. E quando se fala em visibilidade, estamos falando também de representação social, de reconhecimento, de estabelecimento de referências positivas e construtivas para gerações futuras, de conquistas e de senso de pertencimento.

Sendo assim, considero que o debate gerado nos EUA é saudável, necessário e atual, pois traz à tona estas questões fundamentais na vida em sociedades cada vez mais multiétnicas em contrapartida a uma ideologia uni-étnica “modelo”. E resgatando a citação inicial de não se perguntar por quem os sinos dobram, observa-se que a postura adotada por grande parte dos principais veículos de comunicação nos abstém deste debate porque “não é com nós”. Não é aqui que os “sinos” estão dobrando. No entanto, basta ler, por exemplo, o livro A Negação do Brasil de Joel Zito Araújo para constatar muito claramente que nós também estamos inseridos na mesma situação e não é de hoje. Estes “sinos” da invisibilidade social, ausência de representação social qualificada e/ou permeada de estereótipos estigmatizadores também tocam por aqui em alto e bom som, embora muitos fingem não ouvir suas badaladas.

Observa-se que o fato gerou (e ainda tem gerado) muitos debates e pontos de vista divergentes nos EUA. Alguns artistas se manifestam no sentido de boicotar a cerimônia, outros advogam pela eventual necessidade de estabelecimento de políticas de cotas, outros demandam mudanças na composição dos membros da Academia de Artes e Ciências, e há também vozes diametralmente opostas que sustentam que tudo não passa de uma simples questão de merecimento dos indicados. Eu não tenho como apontar a melhor solução e, na verdade, nem é esta minha pretensão com este artigo. Contudo, defendo o ponto de vista que, sem debate de ideias, a questão permanece eternamente adormecida ou mantida convenientemente na obscuridade, com pouca relevância e abafando a voz dos que clamam, legitimamente, por transformações sociais que nos conduzam a um estágio de maior equidade de oportunidades. Portanto, ao não conferir importância alguma a este fenômeno, os veículos de comunicação não privaram a sociedade brasileira tão somente da notícia e da melhor compreensão do fato em si, mas, sobretudo de uma rica oportunidade de discussão e reflexão em torno de nós mesmos como sociedade multiétnica que somos (embora a televisão e a propaganda ainda insistam em adotar o padrão estético predominantemente escandinavo). Consequentemente, a privação do debate transmite a errônea impressão de que o fenômeno em questão não nos diz respeito (estes “sinos” estão badalando por lá) e, potencialmente, torna-se tão deletério quanto o fato em si.



(*) Luiz Valério de Paula Trindade é Mestre em Administração de Empresas onde defendeu a dissertação: Participação e representação social de indivíduos afro-descendentes retratados em anúncios publicitários de revistas: 1968 – 2006. Possui diversos artigos já publicados sobre a temática de representação social de indivíduos negros. Atualmente é doutorando em Sociologia na Inglaterra onde investiga a prática de construção e disseminação de discursos preconceituosos e racistas nas redes sociais.

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