quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Comunidade Quilombola Mumbaça - Carta aberta às autoridades brasileiras


Lideranças da comunidade remanescente de quilombo Mumbaça (Traipu) - com o apoio do movimento negro alagoano - estiveram nessa quarta-feira(11.02) na sede da OAB-AL no bairro de Jacarecica em Maceió para denunciar a perseguição e violação de direitos. Confira a carta aberta, que será protocolada em várias instâncias:


CARTA ABERTA ÀS AUTORIDADES BRASILEIRAS

COMUNIDADE QUILOMBOLA TEM DIREITOS VIOLADOS E PEDE SOCORRO

Perseguições por parte do pároco da Igreja local e da prefeitura ameaçam exterminar o quilombo Mumbaça, em Traipu (AL)

Em que pese a nossa Carta Magna de 1988 reconhecer a existência de comunidades quilombolas no país, e ter como objetivo fundamental a construção de uma sociedade justa, livre e solidária; bem como promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, religião e
quaisquer outras formas de discriminação, os moradores da comunidade remanescente de quilombo Mumbaça, situada no município de Traipu (Alagoas),  tem seus direitos desrespeitados e são obrigados a negar suas origens, culturas e tradições.

Esta carta tem como objetivo fazer um apelo às autoridades governamentais, jurídicas e eclesiásticas, para que os direitos dos quilombolas de Mumbaça sejam respeitados.

Segundo as lideranças quilombolas, desde que o padre Eduardo assumiu a paróquia Santuário Senhor dos Pobres, localizada na comunidade, as famílias de Mumbaça são vítimas de preconceito e discriminação por parte do sacerdote e da comissão que dirige a igreja, ao ponto de serem proibidas de falarem que são quilombolas se quiserem frequentar o santuário, afirmando inclusive que são ordens do bispo de Penedo, Dom Valério Breda. Além disso, por ordem do padre, os quilombolas de Mumbaça estão proibidos de passarem com seus mortos por dentro da igreja antes do sepultamento, uma tradição secular na comunidade, causando profundo sentimento de frustração, constrangimento e decepção, principalmente, entre os mais velhos.

Os desmandos e desrespeito dos que hoje mandam na Igreja Senhor dos Pobres, santuário que foi inclusive construído com a força e suor dos ancestrais quilombolas de Mumbaça, tem revoltado as famílias, que já chegaram a fazer protesto, no dia 23 de novembro de 2014, fechando as ruas
do quilombo, com a finalidade de serem recebidos pelo padre para um diálogo sobre suas reivindicações. Após intermediação do então gerente afro quilombola da Secretaria de Estado da Mulher, dos Direitos Humanos e da Cidadania, Jordinelson Santana (também integrante do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial - Conepir), o líder da comunidade, Manuel Oliveira (Bié) – igualmente conselheiro do Conepir -, pode entregar ao sacerdote uma carta, mas até o momento os quilombolas não receberam resposta.

 Vale ressaltar, que a partir do momento em que o padre aceitou receber a liderança, a comunidade suspendeu o protesto, e mesmo assim, uma dirigente da igreja chamou a polícia para prender o líder quilombola. A prisão só não foi efetivada devido à intervenção do representante do governo do Estado que estava acompanhado de um advogado.

De acordo com o líder comunitário, como se não bastasse a perseguição da igreja, a comunidade de Mumbaça também é impedida de se declarar quilombola quando procura uma vaga nas escolas e nos postos de saúde do município, sob ameaça de não conseguir matrícula nem atendimento médico.
Além disso, na escola ninguém pode falar em quilombo. O direito à cultura é igualmente proibido pela municipalidade, pois a ordem é parar qualquer festa que se refira a quilombolas.

Na questão educacional, já aconteceu de professor morador do quilombo, conhecedor dos costumes e tradições, ser transferido para outra localidade, sendo substituído por outros de origem externa, sem conhecimento da cultura quilombola. Ou seja, são atitudes que promovem a desconstrução da
identidade étnica da comunidade e ameaçam a existência do quilombo. 

Outra grave denúncia, diz respeito a um decreto aprovado pela Câmara Municipal de Traipu, o qual normatizou que a comunidade Mumbaça passou a ser um distrito do município, desconstituindo a toda uma ancestralidade já reconhecida pelo governo federal.

Diante das graves denúncias de violação dos direitos no quilombo Mumbaça, externamos nossa total indignação e solicitamos das autoridades as devidas providências para o restabelecimento do estado de direito. Para tanto, nos baseamos na premissa de que percorridos mais de 100 anos da derrocada
oficial do sistema escravagista, o Estado brasileiro abriu-se à possibilidade efetiva de garantir o exercício da cidadania para a população negra, em especial as comunidades remanescentes de quilombos, cujo direito foi reconhecido pelos constituintes no processo de construção do mais importante instrumento jurídico e político do país.

Maceió, 10 de fevereiro de 2015.

Entidades e instituições que referendam este documento:

- CONEPIR - Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial
- OAB\AL – Comissão de Defesa dos Direitos das Minorias da OAB\AL
- NEAB\UFAL - Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de
Alagoas
- COJIRA\SINDJORNAL – Comissão de Jornalistas por Igualdade
Racial\Sindicato dos Jornalistas de Alagoas;
- UNEAL – Universidade Estadual de Alagoas
- Fretab – Federação Zeladora das Religiões Tradicionais Afro-Brasileiras em
Alagoas
- Ile Ifé Omi Omo Possu Betá
- Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô
- Pastoral da Negritude da Igreja Batista do Pinheiro
- Juventude Negra Independente
- Instituto Raizes de África
- FALC - Federação Alagoana de Capoeira
- GUESB - Grupo União Espírita Santa Bárbara
- CUT – Central Única dos Trabalhadores
- INEG\AL – Instituto do Negro em Alagoas
 - Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas Ganga Zumba
- Coordenação Nacional das Comunidades Remanescentes de Quilombo –
CONAQ
- Comunidade Remanescente de Quilombo Carrasco
- Comunidade Remanescente de Quilombo Cajá dos Negros
- Agentes de Pastoral Negros do Brasil - APNs
- NUCAB-IYA OGUN-TE, Núcleo de Cultura Afro Brasileira Iya Ogun-te
- CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação

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