Noite de terror aconteceu há cem anos, mas as consequências de tanta intolerância ainda se fazem presentes
Por: Lenilda Luna - jornalista
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"Xangô é pai, Xangô é rei, e quer justiça!" (Documentário de Siloé Amorim) |
Esse fato emblemático da história de Alagoas já estimulou a produção de teses de doutorado, documentários e vários artigos acadêmicos, que fomentaram debates dentro da universidade. O principal objetivo desses estudos é avaliar criticamente esses acontecimentos, considerando que os reflexos da intolerância religiosa perduram na atualidade. No centenário do Quebra, apresentamos a avaliação de uma historiadora e uma antropóloga da Ufal, que são estudiosas da cultura afro-brasileira e das manifestações que resistem em Alagoas.
O que foi o Quebra
Foi na noite de 1º de fevereiro de 1912 que o terror se espalhou pelos terreiros de cultos afro-brasileiros em Alagoas. O quebra-quebra foi liderado pela Liga dos Repúblicanos Combatentes, agremiação política que fazia oposição ao governador da época, Euclides Malta. As invasões, espancamentos e prisões aos praticantes de candomblé, umbanda e outros cultos durou até a madrugada de 2 de fevereiro, quando os praticantes homenageiam as entidades de Oxum e Iemanjá.
O Quebra provocou o fechamento de vários terreiros e a dispersão de ialorixás e babalorixás para outros Estados. Os que ficaram aqui, continuaram praticando os cultos em silêncio, sob intensa repressão e medo. Cem anos depois, várias manifestações estão sendo realizadas para protestar contra a discriminação que ainda perdura e exigir liberdade de manifestação cultural e religiosa.
O contexto político
“O episódio que ficou historicamente registrado como 'quebra-quebra dos terreiros' ou simplesmente 'quebra de xangô', revela uma importante face da cultura alagoana que merece registro. Refiro-me aqui à intolerância e ao preconceito históricos que animavam nossa provinciana Maceió em relação a referências religiosas que não fossem as católicas, as oficiais”, pondera a antropóloga e pesquisadora da cultura afro-alagoana, Rachel Rocha, coordenadora do Laboratório da Cidade e do Contemporâneo do Instituto de Ciências Sociais da Ufal.

Preconceito religioso
Segundo a historiadora Clara Suassuna, diretora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab), o evento em Alagoas influenciou também a formação cultural do estado vizinho. “Há reflexos diretos na história de Pernambuco, pois muitos dos religiosos de matriz africana tiveram como saída, a migração para o Estado vizinho, para não morrerem ou serem privados da liberdade pessoal ou de culto”, relembra Clara.
A historiadora destaca ainda que esse assunto foi banido das rodas de conversa por muito tempo. Os jornais chegaram a noticiar o Quebra como uma ação de limpeza. “Esse evento durante muitos anos ficou restrito aos jornais como sendo uma ação para limpar as almas da população das práticas religiosas demoníacas e perigosas para a sociedade”, destaca a diretora do Neab.

Para a historiadora, manifestações de desagravo e resgate cultural como as que foram organizadas neste centenário do quebra, tem uma importância fundamental. “Principalmente no âmbito político, pois o debate não pode ficar apenas nos centros acadêmicos e educacionais. O Estado reconheceu seu erro e oficializou o seu perdão e isso é mais um avanço para a comunidade afro-alagoana, porque também não dizer, pernambucana, já que tantos filhos saíram da terra natal" diz ela.
Clara Suassuna ressalta a realidade sócio-cultural dos nossos dias, ainda com profundos reflexos de racismo. "Temos que pensar que o estado de Alagoas é composto por maioria afrodescendete (67% autodeclarados) e essa maioria está abaixo da linha de pobreza (65%) pelos dados do IBGE. São através das medidas afirmativas que vamos mudando, mas o processo é lento e por isso temos que ser atuantes” conclui a historiadora.
Assista ao documentário produzido pelo antropólogo Siloé Amorim, professor do Instituto de Ciências Sociais da Ufal, sobre o Quebra.
Fonte: Ascom Ufal
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